Pasta esconde dados por 'segurança de autoridades'; empresa que cuida do armazém é investigada pela CPI
O Ministério da Saúde gasta cerca de R$ 70 mil por mês para armazenar medicamentos, testes e insumos do SUS vencidos. Revelado pela Folha, o estoque de produtos sem validade é avaliado em R$ 243 milhões.
O valor para manter os produtos na central de distribuição da Saúde, em Guarulhos (SP), foi confirmado por autoridades do governo federal que acompanham as discussões.
A VTCLog, investigada pela CPI da Covid no Senado, administra o armazém. Cabe à empresa informar a Saúde sobre produtos prestes a vencer, além de separar os insumos sem validade ou interditados.
Procurado, o Ministério da Saúde não quis se manifestar sobre o estoque vencido e não confirmou se o pagamento é inteiramente feito à VTCLog. A pasta colocou sob sigilo de cinco anos todas as informações sobre os produtos vencidos.
Em resposta a questionamentos apresentados via LAI (Lei de Acesso à Informação), o ministério disse que os dados podem colocar em risco a vida, segurança ou saúde da população.
A Saúde também afirmou que divulgar as informações ofereceria "elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País", além de risco à segurança de "instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares".
A Folha perguntou sobre o estoque atual vencido, valor de armazenamento, e qual volume foi incinerado nos últimos anos. A Saúde disse que os dados são de "caráter reservado".
Após a revelação do estoque, o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) reconheceu que o cemitério de insumos do SUS "é um problema", mas negou negligência.
O ministro ainda tentou jogar sobre gestões anteriores a responsabilidade por perder os produtos.
"Em relação a insumos vencidos, realmente esse é um problema. Não é que o ministério deixa vencer por negligência, é porque se compra em quantidade, há insumos que foram adquiridos nos dois governos anteriores ao governo do presidente Bolsonaro e eles não foram distribuídos", disse Queiroga em audiência no Senado.
Auxiliares do ministro tentam agora entender a razão de cada item ter vencido. Integrantes da Saúde afirmam que os produtos devem ser incinerados quando alcançarem, reunidos, uma tonelada.
Oficialmente, o governo também não disse quanto falta para atingir esse volume e se irá incinerar todos os produtos ou dar outra destinação a eles.
O ministério se recusou a informar há quanto tempo paga cerca de R$ 70 mil para manter os itens vencidos no armazém.
Em nota, a VTC Log disse que "cumpre fielmente as obrigações contratuais" e afirmou que mensalmente informa sobre estoque crítico de produtos a vencer e vencidos.
"Toda responsabilidade de gestão sobre a distribuição das vacinas compete à pasta [Ministério da Saúde]", disse a empresa.
Deputados de cinco partidos da Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara pediram uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) sobre possíveis omissões "que levaram ao desperdício de R$ 243 milhões em vacinas, testes e medicamentos que perderam validade em posse do Ministério da Saúde".
A proposta foi aprovada pelos congressistas em 15 de setembro.
Segundo levantamento de agosto obtido pela Folha, o centro de distribuição da Saúde guarda 3,7 milhões de itens que começaram a vencer pelo menos em 2018. Quase todos expiraram durante a gestão Bolsonaro.
Há vacinas de gripe, cerca de 2 milhões de testes RT-PCR da Covid e medicamentos de alto custo para doenças raras, entre outros itens sem validade.
Essa compensação ocorreu com os exames da Covid, pois os lotes que restavam na Saúde haviam sido reprovados em testes de qualidade.
Mas as cerca de 820 mil canetas de insulina, avaliadas em R$ 10 milhões, não estavam sob qualquer restrição e ficaram paradas no armazém do governo Bolsonaro até a validade expirar.
Esses mesmos funcionários da pasta afirmam que há ainda dúvidas sobre o tamanho real do estoque vencido, pois a análise preliminar indica falhas nos registros de entrada e saída dos insumos.
O diretor do Dlog (Departamento de Logística) da Saúde, general da reserva Ridauto Fernandes, disse que está em "pleno processo de apuração" das causas que levaram ao fim da validade dos itens do SUS.
O general não deu detalhes sobre as apurações. Disse apenas que busca "dados robustos que permitam aperfeiçoar nossos processos, mitigando ao máximo o risco de perdas e privilegiando a economia do recurso público".
Área que atua na ponta da linha da gestão dos insumos, o Dlog ficou sob comando de Roberto Dias, indicado do centrão, durante a maior parte do governo Bolsonaro.
Os produtos vencidos também seriam destinados a pacientes do SUS com hepatite C, câncer, Parkinson, Alzheimer, tuberculose, doenças raras, esquizofrenia, artrite reumatoide, transplantados e problemas renais, entre outras situações.
Alguns itens que serão incinerados estão em falta nos postos de saúde.
A comissão também vê indícios de pagamentos de boletos em favorde Dias pela Voetur, empresa que tem os mesmos sócios da VTCLog, em um total de R$ 47 mil.
Fonte: Folha de SP
Foto: Reuters
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