A ONG Ibrasi, principal beneficiária do esquema de desvio de recursos do Ministério do Turismo, operava com a ajuda de um grupo de empresas de fachada especializadas em emitir notas fiscais falsas e fraudar concorrências. No papel, elas têm sedes e donos diferentes. Na prática, os donos se conheciam e operavam em conjunto.
Uma delas, a Barbalho Reis Comunicação e Consultoria, informa em suas notas um endereço em Brasília como sede: uma sala no quinto andar de um movimentado prédio comercial. O GLOBO visitou na última sexta-feira a sala 503 do Edifício Corporate Center, no centro da capital, e ouviu a atendente informar, sem constrangimento, que na sala funcionam "mais de 200 empresas". Após verificar uma lista, ela disse que a Barbalho Reis não é uma das "associadas".
A funcionária acrescentou que a Barbalho Reis já foi sediada na sala, mas não disse quando. Ninguém atendeu o telefone, cujo número está impresso nas notas fiscais. Os sócios são Humberto Silva Gomes e Dalmo Antônio Tavares de Queiroz, dois dos envolvidos na Operação Voucher, da PF.
A Sinc Recursos Humanos e Automação, também sediada em Brasília, foi outra emissora de notas para o Ibrasi. No endereço indicado, em área comercial, há uma porta branca com grade na frente na mesma cor. Não há letreiro algum. Pelo interfone, uma voz feminina informou ao GLOBO que ali funciona uma empresa de consultoria. E nunca ouvira falar na Sinc.
Concorrentes que são sócios
O telefone da empresa informado nas notas é de uma residência, onde nunca ouviram o nome Sinc antes. Os contatos dos sócios, Hugo Leonardo Silva Gomes e Fabiana Lopes Freitas, também não constam da lista telefônica. O endereço da empresa na internet indicado nas notas não existe.
A forma camuflada de operar não é a única semelhança entre a Barbalho Reis e a Sinc. Segundo relatório da PF, Humberto Silva Gomes, da primeira empresa, é irmão de Hugo Leonardo Silva Gomes, da segunda. O documento revela o teor de conversa gravada com autorização judicial em que a diretora do Ibrasi, Maria Helena Necchi, fala a Dalmo Queiroz, da Barbalho Reis, sobre a necessidade de uma reunião com a Sinc para combinar versões sobre qual teria sido o papel da empresa no convênio.
No diálogo, Maria Helena refere-se ao Ibrasi como "empresa" - o que, para a polícia, "demonstra que o instituto realmente está muito longe de ser uma entidade sem fins lucrativos". Segundo a transcrição no relatório, a diretora disse: "Isso envolveria a empresa, o Ibrasi, eu tô indo, e você provavelmente pra gente fechar, porque aquele... fica organizado as respostas, né?".
Essa é uma das ligações entre os donos das empresas que participaram de licitações para encenar uma prestação de serviços ao Ibrasi. Os concorrentes se conhecem e alguns são sócios em outras empresas.
A perícia também constatou fraude no preenchimento de notas fiscais por parte das empresas usadas pela ONG. "Foram identificadas algumas situações que levantam suspeitas sobre a fidedignidade dos documentos comprobatórios das despesas realizadas com os recursos do convênio", diz o relatório policial.
Segundo o texto, "algumas notas fiscais apresentadas pelo Ibrasi como comprovante de pagamento de despesas do convênio, emitidas por empresas diferentes, foram preenchidas pelas mesmas pessoas". O laudo cita como exemplo notas emitidas pela Sinc e pela Barbalho Reis com a mesma caligrafia. A mesma pessoa teria preenchido notas da Cooperativa de Negócios e Consultoria Turística - Conectur, com sede em Macapá, outra empresa que fornecia notas ao Ibrasi.
A polícia também anotou indícios de que a Sinc foi criada só para acobertar gastos do Ibrasi. "As notas da Sinc Recursos Humanos e Automação foram emitidas com diferença de um mês em regra, porém, verifica-se que elas possuem numeração sequencial nos meses de abril a julho e de julho a agosto de 2010, podendo-se inferir que, neste período, o Ibrasi era seu cliente exclusivo", conclui o documento.
Além disso, a Sinc teria emitido comprovantes no período em que estava com a inscrição suspensa no Cadastro Fiscal do Distrito Federal. O relatório diz que a Barbalho Reis emitia notas fiscais com a numeração sequencial próxima, com poucos intervalos entre os documentos.
O procurador Marinus Marsico, que atua no Tribunal de Contas da União (TCU), disse que não teve acesso aos documentos. Mas afirmou que, em tese, a forma mais comum de desviar dinheiro público é por meio de notas fiscais fraudulentas:
- Notas frias são o que há de mais comum em fraudes no poder público.
Marsico pondera que a forma de agir das empresas investigadas não é comum, devido à falta de cuidado e à precariedade das fraudes.
- Notas fiscais com a mesma caligrafia são uma coisa muito primária. Parentes donos de firmas beneficiárias de recursos públicos, também. Isso indica certeza de impunidade (por parte dos sócios). É um golpe muito pouco elaborado. Não é tão comum, porque é mais fácil de pegar - diz.
Ainda segundo o procurador, uma empresa sediada no mesmo espaço que outras 200, como é o caso da Barbalho Reis, não tem idoneidade suficiente para contratar com o poder público - ainda que a sede esteja estabelecida em respeito às leis.
- Uma sala com mais de 200 empresas pode abrigar empresas virtuais ou mesmo empresas fantasmas. Isso retira a idoneidade da empresa para contratar com a administração pública. Mesmo que seja totalmente legal uma sala com 200 empresas, não há idoneidade - concluiu Marsico.
O esquema veio à tona com a Operação Voucher, da PF, sobre desvio de dinheiro público com o suposto envolvimento de servidores e integrantes da cúpula do Turismo, além de entidades privadas que firmaram convênios com a pasta. A investigação começou no TCU, que detectou irregularidades em contratos com o ministério. No dia 9, a PF começou a cumprir 38 mandados de prisão de suspeitos de integrar o esquema. Os presos começaram a ser soltos na sexta-feira, quando obtiveram habeas corpus.
Fonte: O Globo
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