A Justiça Eleitoral voltou a afirmar que lançar mulheres como candidatas apenas para preencher o percentual mínimo exigido pela legislação eleitoral pode ser considerado ilícito grave. Em julgamento concluído na última terça-feira (REspe nº 243-42), o TSE decidiu que, além da possibilidade de se verificar se o percentual de candidatura foi formalmente atendido no momento do registro das candidaturas, é também possível investigar se a regra é materialmente respeitada no curso das eleições, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, com consequências para o partido político e todos os seus candidatos.
O percentual mínimo de candidaturas destinado às mulheres – 30% – deve ser apurado no momento do registro das candidaturas. Se esse patamar não for atendido ou corrigido a tempo, o registro de todos os candidatos do partido é indeferido. No ano passado, o TSE afirmou que fraude decorrente de candidaturas irreais pode ser examinada na ação de impugnação de mandato eletivo proposta até quinze dias após a diplomação dos eleitos (REspe nº 1-49). A fraude à lei, nesses casos, consistiria no lançamento de candidaturas fictícias com o objetivo de aparentar o cumprimento forma da regra, sem que a candidatura existisse de fato. Há quem diga que algumas mulheres não sabem nem sequer que são candidatas, não fazem campanha e, como consequência, não recebem votos.
Deve ser apurado, portanto, se quem foi registrado como candidato, efetivamente, realmente busca o voto do eleitor. Essa preocupação também tem merecido a atenção do Ministério Público Eleitoral em relação aos funcionários públicos que se licenciam para concorrer e, por força da lei, continuam recebendo seus vencimentos nos três meses que antecedem à eleição.
Em relação às candidatas, as decisões da Justiça Eleitoral têm especial significado diante da histórica desigualdade de gêneros na política brasileira. O voto feminino somente foi admitido em 1932 e, desde então, ainda que o eleitorado brasileiro seja formado majoritariamente por mulheres (52%), a participação feminina nos parlamentos brasileiros é diminuta.
Segundo os dados do TSE, em 2014, 6.178 candidatos concorreram para a Câmara dos Deputados. Desse total, 1.796 eram mulheres e 51 foram eleitas. Nas últimas eleições municipais, em 2012, foram registrados 15.127 candidatos ao cargo de prefeito. Apenas 2.026 eram mulheres e somente 665 foram eleitas, enquanto que mais de 4.900 homens tiveram sucesso. Na eleição proporcional para o cargo de vereador, dos mais de 420 mil candidatos, 134.169 eram mulheres. Foram eleitos 49.779 homens e 7.655 mulheres.
A análise desses dados revela quadro atípico. Ainda que o percentual de candidaturas femininas na eleição para vereador (32%) seja bem superior ao da eleição para prefeito (13,39%), pois a da regra dos 30% se aplica apenas aos pleitos proporcionais, o aumento do número de candidatas não tem igual reflexo no resultado das eleições. Nos municípios, o percentual de mulheres eleitas para o cargo de vereador corresponde a pouco mais de 13% e, para prefeito, quase 12%. Além disso, a representação feminina na Câmara dos Deputados é de apenas 9,94%, percentual inferior à metade da média mundial, o que põe o Brasil em 153º lugar no ranking mundial de representatividade feminina.
Alguns justificam esse quadro invocando a liberdade do eleitor em escolher, sem qualquer vínculo, quem deve representá-lo. Nada pior, porém, do que ouvir que “mulher não vota em mulher”, ainda que se busque fazer infeliz gracejo com esse tipo de declaração.
Não há dúvida que o eleitor é o verdadeiro detentor do poder e somente ele pode – na sua individualidade protegida pelo sigilo – decidir o destino do seu voto. No entanto, sem muito esforço, sabe-se que os candidatos buscam conquistar a confiança do eleitor por meio da divulgação e da fixação da sua imagem, das suas qualidades e das suas ideias. Afinal, se a candidatura não é anunciada, se não há campanha eleitoral, os eleitores não sabem que o candidato existe, quais são suas propostas e, por consequência, não votam nele.
Para 2016, o Congresso Nacional determinou que entre 5% e 15% dos recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser reservados para a aplicação em campanhas de mulheres. Até o momento, há registro de que mais de 430 milhões de reais foram distribuídos aos partidos políticos neste ano. Ou seja, além dos percentuais sobre os valores que ainda serão distribuídos, das doações recebidas e dos recursos acumulados nos anos anteriores, ao menos entre mais de 21 e 64 milhões de reais devem ser separados para financiar candidatas.
Tais valores demonstram que o registro de candidatura não pode ser considerado algo fútil. Por muito tempo, os brasileiros ansiaram por eleições diretas e pela liberdade de escolher seus representantes. Ser candidato é poder expressar suas ideias, participar ativamente da democracia e apresentar-se ao crivo popular. Por outro lado, a candidatura também atrai responsabilidades. Além da obrigação de representar o seu partido, honrar os votos confiados pelos eleitores e responder por seus atos, os candidatos devem prestar contas dos recursos financeiros utilizados nas campanhas eleitorais.
A democracia não pode ser contaminada por teatros ou ilusões para dar aparência de legalidade ao preenchimento meramente formal de requisito legal, quando a existência material da candidatura reflete a razão de tal exigência e a finalidade da ação afirmativa nela contida.
Em suma, apesar de os partidos políticos terem autonomia para escolher seus candidatos e estabelecer quem merece maior apoio ou destaque na propaganda, eles também são responsáveis por lançar candidaturas verdadeiras, com mulheres que sejam candidatas reais e participem ativamente de campanhas eleitorais concretas, observando os critérios legais e partidários estabelecidos. Ser candidata não é um faz-de-conta.
Fonte: Henrique Neves da Silva - Jota UOL
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