Para que não restem dúvidas, eis a parte principal da tutela requerida, para que o município de Alexandria volte a ser incluso no índice 1.0 do Fundo de Participação dos Municípios (FPM)
DECISÃO
Trata-se de demanda proposta pelo MUNICÍPIO DE ALEXANDRIA/RN em desfavor do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE e da UNIÃO FEDERAL, por meio da qual questiona a redução do coeficiente utilizado no cálculo da sua quota do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, que se baseou em estimativa populacional apresentada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e utilizada pelo Tribunal de Contas da União - TCU como parâmetro válido para a efetivação do cálculo, conforme previsto na Decisão Normativa n.º 201/2022.
Narra que, em 28/12/2022, foi publicada a Decisão
Normativa TCU 201/2022, mediante a qual foram aprovados, para o exercício de 2023, os coeficientes a serem utilizados nos cálculos das quotas para a distribuição dos recursos previstos no art. 159 da Constituição Federal e na Reserva instituída pelo Decreto-Lei n.º 1.881/1981.
Alega que as alíquotas foram apuradas com base em estimativa feita pelo IBGE para o ano de 2022, que, no caso do Município de Alexandria/RN, não condiz com a realidade da população residente, o que ensejou, indevidamente, uma redução no coeficiente de cálculo do FPM, passando de 1,0 para 0 ,8, conforme a aludida decisão normativa.
Destaca que a Decisão Normativa TCU 201/2022 foi publicada no final do exercício de 2022, sem tempo hábil para que fosse apresentada contestação e esta fosse apreciada antes de produzir seus efeitos financeiros, com a redução na arrecadação, prejudicando, dessa maneira, o planejamento orçamentário do município, além de importar em afronta à segurança jurídica, ao contraditório e à ampla defesa.
Sustenta que houve violação à Lei Complementar n. 165/2019, uma vez que a alteração promovida pelo TCU foi realizada antes da conclusão oficial do novo censo demográfico realizado pelo IBGE.
Proferida decisão indeferindo o pedido liminar, por entender o magistrado prolator não ser hipótese de Plantão Judicial (ID 4058404.12350295).
Remetidos os autos a este juízo, o MUNICÍPIO DE ALEXANDRIA/RN apresentou pedido de reconsideração. Na oportunidade, informou que já houve a redução no repasse dos valores relativos ao FPM, de um valor de aproximadamente R$ 590.000,00 (quinhentos e noventa mil reais) para algo em torno de R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais) - ID 4058404.12363140. Juntou documentos (ID 4058404.12363144).
Pretende, assim, o demandante a suspensão dos efeitos da Decisão Normativa TCU n. 201/2022, em relação àquela municipalidade, de forma que se mantenha inalterado o coeficiente de 1,0 sobre os repasses de FPM realizados pela UNIÃO pela ao Autor, até que o IBGE finalize o Censo Demográfico iniciado e nova Decisão Normativa seja publicada pelo TCU com base nos dados definitivos do Censo.
É o essencial a relatar. Fundamento e decido.
Consoante o art. 294 da Lei nº 13.105/2015, o novo Código de Processo Civil brasileiro, é possível a postulação de tutela provisória, fundamentada em urgência ou evidência.
Para a concessão da tutela de urgência, antecipada ou cautelar, nos termos do art. 300 da mesma lei, necessária a comprovação da probabilidade do direito invocado (fumus boni iuris) e do perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). A tutela será antecipada quando voltada ao reconhecimento e imediato gozo de efeitos do provimento final, configurando-se como cautelar a medida tendente apenas ao resguardo do direito a ser tutelado.
Por outro lado, para o deferimento liminar da denominada tutela de evidência, que prescinde da demonstração de perigo da demora na prestação jurisdicional, exige a legislação em comento, a teor do seu art. 311, comprovação documental do direito alegado, aliada à existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmulas vinculantes. Por julgamento de casos repetitivos, entenda-se decisão proferida em sede de IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e no bojo de recursos extraordinário e especial repetitivo (art. 928).
No caso em análise, pretende a autora a concessão de tutela provisória de urgência, formulada em caráter incidental, para que seja suspensa a decisão do TCU que determinou a redução do seu coeficiente do FPM com base em novo censo realizado pelo IBGE, o qual ainda não foi concluído.
Numa análise perfunctória, própria das tutelas de urgência, vislumbro a presença dos requisitos imprescindíveis ao deferimento da medida pleiteada, devendo a tutela ser deferida.
A Lei Complementar n.º 91, de 22 de dezembro de 1997, que dispõe sobre a fixação dos coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios - FPM, estabeleceu, em seu art. 1º, que o coeficiente individual do cálculo das quotas para distribuição dos recursos previstos no art. 159, inciso I, alíneas "b", "d", "e" e "f" da Constituição Federal, e da
Reserva instituída pelo Decreto-Lei n.º 1.881/1981, seria atribuído aos Municípios de acordo com o seu número de habitantes.
Por sua vez, no art. 2º, §3º, da mencionada norma, com a redação inserida pela Lei Complementar n.º 165, de 2019, ficou definido que, "A partir de 1.º de janeiro de 2019, até que sejam atualizados com base em novo censo demográfico, ficam mantidos, em relação aos Municípios que apresentem redução de seus coeficientes decorrentes de estimativa anual do IBGE, os coeficientes de distribuição do FPM utilizados no exercício de 2018" (destaque acrescido).
Nada obstante, o Tribunal de Contas da União, em 28 de dezembro de 2022, proferiu a Decisão Normativa n.º 201/2022, determinando que o cálculo dos coeficientes do exercício financeiro de 2023 seria realizado com base no censo demográfico do IBGE de 2022, conforme os dados coletados por esse órgão até 25/12/2022.
Por um lado, observa-se que a decisão do TCU, que promoveu alteração nos coeficientes do FPM, foi emitida nos últimos dias do ano de 2022, surpreendendo o Município e, por sua vez, ocasionando prejuízo ao seu planejamento orçamentário e impondo a necessária e urgente adequação ao novo coeficiente que gerou a redução das receitas municipais.
Além disso, verifica-se que a aludida decisão contraria o disposto no art. 2º, §3º da Lei Complementar nº 91/1997, com a redação inserida pela Lei Complementar n.º 165, de 2019, uma vez que baseada em dados preliminares do censo demográfico de 2022, que ainda não foi concluído.
Em que pese o cálculo tenha sido realizado a partir de critérios técnicos pelo IBGE, tem-se, como defendido pelo autor, que tal resultado se trata de mera estimativa, não sendo razoável a sua adoção, quando não há uma certeza e ainda causando surpresa à administração municipal, mormente por implicar em alteração orçamentária, com comprometimento das políticas públicas do Município.
Veja-se que a norma contida no art. 2º, §3º da Lei Complementar nº 91/1997, com a redação inserida pela Lei Complementar n.º 165, de 2019, prevê que os coeficientes de distribuição do FPM deveriam ser mantidos até que houvesse uma atualização com base em novo censo demográfico, que obviamente deve ser concluído para que sejam considerados os dados demográficos obtidos. Com efeito, não está em harmonia com o espírito da lei uma interpretação que se baseie em dados parciais do censo ainda andamento.
Ressalte-se que há questionamento do ente municipal demandante quanto ao cálculo demográfico realizado pelo IBGE, cujos argumentos não podem ser ignorados, pois levam em consideração bancos de dados públicos, que apontam para um quantitativo diverso daquele estimado pelo órgão estatístico, sendo, portanto, mais prudente e razoável aguardar a conclusão do censo para que seja determinada de forma definitiva a população do Município, e não fixar coeficiente com base em estimativa que pode não se confirmar.
Por fim, constata-se em Nota Técnica emitida pela SEMAG/TCU a informação de que a Decisão Normativa n.º 201/2022 foi proferida levando em consideração dados parciais do censo apurados pelo IBGE até 25/12/2022, em flagrante violação ao prazo previsto no art. 102, II, da Lei n.º 8.443/92, o qual determina que os dados a serem utilizados pelo TCU devem ser remetidos pelo IBGE até o dia 31 de agosto de cada ano.
Assim, entendo que a decisão do TCU fere o princípio da legalidade e da segurança jurídica, pelo que vislumbro presente o requisito da verossimilhança do alegado na inicial, em face da inexistência de observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa para a suspensão do benefício.
Reconheço, ainda, a presença do perigo da demora, tendo em vista que a alteração promovida pela Decisão Normativa n.º 201/2022 impacta a previsão orçamentária do Município, ocasionando a redução de suas receitas e prejudicando a promoção das políticas públicas de âmbito municipal.
Defiro, portanto, a tutela de urgência pleiteada, eis que presentes os pressupostos autorizadores previstos no art. 300 do CPC/2015.
Ante do exposto, defiro a tutela de urgência pleiteada, para determinar a imediata suspensão dos efeitos da Decisão Normativa n.º 201/2022, do Tribunal de Contas da União, em relação ao Município autor, de forma que seja utilizado como parâmetro para o cálculo da cota do FPM o mesmo coeficiente utilizado no ano de 2021, devendo a União adotar as providências legais cabíveis no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de multa diária a ser oportunamente fixada, em caso de descumprimento.
Intimem-se. Cumpra-se.
Pau dos Ferros/RN, data da validação eletrônica.
É contra essa decisão que o IBGE interpõe o presente agravo de instrumento.
2- DO MÉRITO. DO CENSO - DADOS ATUALIZADOS- JURIDICIDADE DOS PROCEDIMENTOS
ADMINISTRATIVOS DO IBGE E DO TCU
2.1. DA REALIZAÇÃO DO CENSO - BREVE HISTÓRICO PARA CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
A cada 10 anos, por força da Lei 8.184/91, o IBGE realiza os Censos Demográficos que visam, entre outras coisas, à contagem da população brasileira. No meio de cada década, o IBGE realiza ainda uma contagem populacional (um Censo reduzido), que visa calibrar as estimativas até o próximo Censo.
Os dados populacionais contados e/ou estimados pelo IBGE se prestam também à repartição do FPM. Assim, anualmente, o IBGE repassa essas informações ao TCU, que, antes da virada do ano, publica o cálculo dos respectivos coeficientes para valerem no próximo exercício.
Nesse sentido, o TCU é o órgão da União competente para realizar os cálculos das cotas (art. 161, parágrafo único, da CF/88).
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