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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

POSSE DE JOAQUIM BARBOSA HUMANIZA JUDICIÁRIO.

Estes dias que transformaram todos os brasileiros em magistrados do STF –magistrados, ao menos, no juízo que todos fazemos dos votos dos supremos juízes— também serviram para educar o Brasil. O país aprendeu que o vocábulo justiça está contido na palavra injustiça. O acaso rege o universo mais do que gostaríamos de imaginar. Mas o destino parece ter decidido conspirar a favor do onírico na posse de Joaquim Barbosa, 58, na presidência do Supremo Tribunal Federal. É como se o aleatório quisesse realçar que o possível também cabe no impossível.
O ministro do Supremo sempe foi visto como um semideus, sentado à mão direita de Deus. A posse de Barbosa no comando so STF mostrou que a onipotência das togas tem limites. A cerimônia começou bem, com um tombo. E terminou melhor, com um discurso simples e direto. O ministro caiu minutos antes de alçar-se à glória. Conversava num salão contíguo ao plenário com o colega Ricardo Lewandowski, seu vice, e com a ex-ministra Ellen Gracie. Súbito, deu um passo atrás, esbarrou num tablado montado para a foto oficial e foi ao chão. Ergueu-se pouco depois, no pronunciamento que dirigiu à plateia.
Foi um discurso impregnado de simbologia. Uma fala em que o novo presidente da Suprema Corte iluminou o caráter utilitário da Justiça. Almejamos um Judiciário “sem firulas, sem floreios, sem rapapés”, ele disse. Um Judiciário “célere e justo”.
O bom juiz, afirmou Barbosa, é aquele que tem consciência dos limites que são impostos pela sua condição funcional. No dizer do ministro, pertence ao passado o juiz que se mantém distante e indiferente aos anseios da sociedade, o juiz isolado, o juiz ecerrado na torre de marfim. O novo juiz, realçou Barbosa, não adere cegamente aos clamores da comunidade. Mas também não vira as costas para a sociedade.
A justiça é humana, declarou Barbosa, se auto-dessacralizando. A Justiça é indissociável da noção de igualdade, ele acrescentou. Deu boa tarde ao óbvio: o cidadão tem “o sagrado direito” de ser tratado de forma igual. Simples como o abecedário. O brasileiro A não deve ter senão a mesma consideração dispensada ao brasileiro C ou B, lecionou Barbosa.
Ele voltou a cumprimentar o óbvio ao dizer que sua honestidade intelectual o leva a reconhecer que há “um déficit de justiça entre nós, nem todos os brasileiros são tratados com igual consideração. O que se vê aqui e acola é o tratamento privilegiado”. Disse isso num instante em que o Supremo demonstra no julgamento do mensalão que o Judiciário onírico, capaz de punir o que sempre foi impune, tornou-se palpável.
Todas as igrejas –inclusive a da roubalheira mística, fundada há séculos, provavelmente na era das caravelas— têm metafísicas antigas e hierarquizadas. O que Barbosa disse, com outras palavras, foi o seguinte: conscientizando-se de sua dimensão humana, percebendo que seu limite funcional é a prestação de serviços ao rebanho que financia a congregação, a seita do Judiciário pode tudo. Pode inclusive punir o poder aético.
Festejado como primeiro negro a sentar-se na cadeira de presidente do STF, Barbosa absteve-se de fazer da cor da pele um diferencial redentor. Esquivou-se de evocar o passado de menino preto e pobre. Não precisava. Nunca antes na história desse país o plenário do STF esteve tão apinhado de rostos negros. O pai, pedreiro, morreu há dois anos. Mas lá estava a mãe, dona de casa. Lá estava o filho. Lá estavam os irmãos do ministro. Lá estavam também os artistas negros.
Barbosa deve a ascensão ao Supremo à sua cor. Em 2003, quando decidiu indicá-lo, Lula encomendou a Márcio Thomaz Bastos que encontrasse um magistrado negro. Queria emprestar à indicação um caráter racial. O ex-soberano não suspeitava, mas Thomaz Bastos fora além da encomenda. Achara um magistrado independente. Um Joaquim que parece ter a noção de que o juiz pode ser de qualquer cor, só não tem o direito de ser invisível. Sob pena de perder o escalpo na hora que os peles-vermelhas atacarem. Que Oxossi, o orixá dos caçadores, o proteja das macumbas.

Fonte: Josias de Souza

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