O conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte Carlos Thompson Costa Fernandes atuou durante oito anos como procurador junto ao TCE, agora como titular da Corte vive um novo momento e confirma: está aprendendo. Embora os processos examinados pelo Ministério Público junto ao TCE e pelos titulares da Corte de Contas sejam os mesmos, a dinâmica assumida por cada uma dessas funções é diferente. Carlos Tompson fala com entusiasmo do trabalho como conselheiro e acredita que a Corte vive um novo momento, inclusive desenvolvendo mecanismos de atuação, onde age preventivamente para evitar danos ao erário. O conselheiro cita o exemplo de processos de licitação deflagrados por gestor público onde há evidências de ilegalidade. Nesses casos o TCE não aguarda a finalização da licitação, mas já atua pedindo esclarecimentos ao gestor sobre a referida licitação.
Recém-chegado ao Tribunal, Thompson já contempla um momento de disputa na Corte, pela abertura de uma vaga nos próximos meses. Dessa vez, a nomeação do novo conselheiro será de livre escolha da governadora. "Eu, como conselheiro, tenho apenas a expectativa de que ela (a governadora Rosalba Ciarlini) escolha alguém que preencha os requisitos constitucionais sobretudo de capacidade técnica para assumir o cargo", comenta o mais novo conselheiro do TCE.
Ele elogia a Lei de Responsabilidade Fiscal, tece duras críticas aos gestores que se omitem a prestar contas e destaca que o desafio do Tribunal é criar mecanismos mais céleres para a fiscalização e punição dos gestores. Confira a entrevista do conselheiro do TCE Carlos Thompson a TRIBUNA DO NORTE:
Qual o balanço que o senhor faz desses dois primeiros meses como conselheiro do TCE?
Estou aprendendo. Tive uma atuação de oito anos no Ministério Público de Contas. As matérias são todas conhecidas, mas o fato é que a missão é diferente. Destaco por exemplo como diferença o dinamismo no gabinete. No Ministério Público em um processo ele (o procurador) é o último a falar. Geralmente quando a instrução já está concluída é que o Ministério Público dá o seu parecer, salvo aquelas exceções onde ele (o Ministério Público) representa, quando sai da atuação de fiscal da lei para autor da representação. Já no gabinete de conselheiro a gente tem uma atuação mais próxima com o processo e isso eleva o próprio número de processos. A saída e entrada de processo em um gabinete de conselheiro é muito maior do que no Ministério Público.
O que o senhor "estranhou" mais do papel de procurador para conselheiro?
Esse dinamismo, o volume de processo que entra e sai. Isso, realmente, me chamou muita atenção. E ao lado disso, como relator de um processo, quem preside o processo, ele (o conselheiro) tem mais responsabilidades porque o processo segue de acordo com a marcha que é impressa pelo relator. Toda vez que um processo chega aqui a gente analisa qual o caminho que ele deve percorrer. E isso, claro, implica em maior volume de trabalho.
O senhor integra uma Corte que é conhecida porque tem muitas punições, mas pode ecoar um sentimento de impunidade, já que as execuções dessas punições não são vistas. O senhor concorda com essa percepção das pessoas?
O sentimento de impunidade é mais amplo, ele não se limita a atuação do tribunal. Acredito que ele permeia todas as instituições de controle no Brasil porque, ao lado da impunidade, nós temos a corrupção. Existem atos de corrupção aos quatro cantos, isso é público e notório e há de se ressaltar que até pela atuação da imprensa brasileira esses atos de corrupção hoje são mais bem divulgados. A corrupção gera esse problema de que ao lado dela se tem a impunidade. Ou seja, há ainda uma dificuldade dos órgãos de controle e eu não vejo esse problema apenas no Tribunal (TCE-RN). Mas por exemplo no próprio Poder Judiciário que precisa dar uma resposta célere a sociedade no que tange a esses atos de corrupção, que são descobertos ora pela imprensa, ora pelo Ministério Público, ora pela própria Polícia seja ela Federal ou Civil. Há uma necessidade e não fujo a essa responsabilidade de que os órgãos de controle devem ser dotados de mecanismos que venham a dar uma resposta mais célere, mas evidente sem ferir os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Acho que esse sentimento de impunidade é verdadeiro, é procedente, não limitado ao tribunal (TCE-RN), mas também a ele tribunal. Quanto a questão das execuções, toda semana se tem notícia de julgamentos que são prolatados aqui de gestores públicos condenados, ora por ressarcimento ao erário, ora pelo pagamento de multa. Quando o Tribunal condena o gestor para o ressarcimento ou uma multa, é gerado um processo após a etapa administrativa, é formado um título executivo extra judicial. Ou seja, a decisão do Tribunal se transforma em um crédito. Esse crédito é encaminhado ao ente público que deve se beneficiar por ele. Imagine um município em que uma conta de determinado gestor seja desaprovada. O gestor tem que ressarcir. Esse título executivo é encaminhado ao município, ele, somente ele (o município), pode cobrar esse ressarcimento. Quando o tribunal noticia que o prefeito foi condenado a devolver é uma fase de todo processo que visa recuperar o dinheiro.
Então o prefeito é omisso ao não cobrar a execução dessa dívida do antecessor?
Alguns sim. E esse é um dos grandes desafios do Tribunal, é dotar o tribunal de mecanismos que busquem dar maior efetividade a essa cobrança. Então o gestor recebe esse título (de cobrança) e tem obrigação de executar. E ele não o fazendo estaria, em tese, incorrendo em ato de improbidade e ilícito penal, somente aí dada a omissão dele em cobrar essa ressarcimento no âmbito do Poder Judiciário nasce uma legitimação extraordinária do Ministério Público comum. O gestor se omitindo o prazo definido pelo Tribunal é de 30 dias, caso nada seja feito (pelo gestor) o Tribunal representa ao Ministério Público estadual para que ele (o MP) de forma supletiva ajuíze as ações de ressarcimento. É importante que se entenda isso: o Tribunal tem um papel a cumprir e um limite. A partir daí a responsabilidade disso não é mais dele (Tribunal de Contas).
Os prefeitos dos municípios menores costumam dizer que o TCE é muito rígido para os pequenos municípios e benevolente com os maiores. Como conselheiro do TCE, o que o senhor afirma sobre isso?
Acho que essa assertiva é falaciosa. Digo isso como ex membro do Ministério Público e agora como conselheiro, e falo sobretudo levando em conta minha atuação profissional. Eu nunca analisei qualquer processo aqui no Tribunal olhando a capa dele. Para mim essa afirmação é improcedente. Eu, na minha função que fui procurador e agora sou conselheiro, vou agir como sempre agi. Não vejo como pertinente essa afirmação.
Qual a avaliação do senhor sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, que hoje é o ponto principal de qualquer justificativa dos gestores?
Eu acho a Lei de Responsabilidade Fiscal um marco no Brasil. Não tenho dúvida que ela é uma lei que trouxe profundas mudanças no cenário financeiro orçamentário do Brasil. Acho que ela (a LRF) também foi responsável para mudar a mentalidade de como se deve enxergar o orçamento público. Agora existe ainda imensos desafios a serem superados. Vejo a falta de planejamento como um dos principais problemas. Há uma improvisação generalizada no que tange a execução de políticas públicas e isso redunda em potencial risco de lesão, em última análise, ao patrimônio público. A gente vê exemplos de obras inacabadas, programas que se iniciam e quando muda o governo não é dada continuidade; há casos de orçamento superdimensionado, créditos adicionais abertos a revelias. Vejo um problema sério no que se refere a planejamento e deságua em série de deficiência na prestação de serviço público, na área de educação, segurança e saúde.
Qual o principal problema dos gestores públicos?
Não diria um problema só, são vários. Existe problema da falta de conhecimento da legislação. Muitas vezes se coloca em órgãos importantes pessoas que não têm uma linha de conhecimento técnico para gerir esses órgãos e eles terminam provocando problemas em termos da legislação. Acho que há também problema sério no que se refere a corrupção. Não é possível fazer uma avaliação da administração pública no Brasil sem encarar de frente o problema da corrupção, em qualquer nível de governo, federal, estadual e municipal. Os problemas são vários. A gente percebe situação de desconhecimento,despreparo, má-fé, que culmina com o desperdício, na lesão ao patrimônio público.
Hoje o gestor peca mais pela omissão, desconhecimento ou má-fé?
Depende da situação. É difícil a gente indicar qual desses fatores pesam mais. Diria que os três, e mais alguns que se apresentam rotineiramente. Temos exemplos recentes de situações absurdas de atos de corrupção e isso evidencia a ação dolosa ou culposa dos gestores. Importante que se diga quando se pratica um ato contrário à lei ou à Constituição, seja ela federal ou estadual, esse ato pode ser doloso ou culposo. Você pode pecar pela intenção de lesionar o patrimônio público, mas também pelo ato culposo de negligência, imprudência ou imperícia e também por omissão. Destaco aqui um caso que reputo um dos mais graves, é o gestor que se omite ao dever de prestar contas. A gente (o Tribunal) tem cotidianamente julgado processos, contas altíssimas em que o gestor simplesmente se omite de prestar contas.
Essa atitude, além da covardia em si que representa, é um dos piores atos que o gestor pode fazer porque ele se nega a ter suas contas submetidas aos órgãos de controle e a própria sociedade. Isso não é incomum. Comumente temos um índice altíssimo de gestor se omite de prestar contas. O Tribunal vem dando respostas concretas e duras quando se depara com essa conduta imputando o débito total da conta que ele deixou de prestar, multas altíssimas, lembrando que as multas aplicadas pelo Tribunal são cobradas pela Procuradoria Geral do Estado. Dada a estrutura da Procuradoria, a possibilidade de execução dessas multas é bem mais efetiva do que no caso dos municípios (quando as prefeituras devem cobrar as condenações).
O Tribunal de Contas do Estado vive um novo momento de disputa, onde surgirão novas vagas. Como o senhor vê a interferência do Executivo no TCE?
O modelo que existe para o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte é o modelo para todos os Tribunais de Contas dos outros Estados. O governador, o chefe do Poder Executivo, tem a possibilidade de escolher três vagas no Tribunal. Duas delas entre membros de auditor e Ministério Público e uma de sua livre escolha. As outras quatro são escolhas da Assembleia Legislativa. A próxima vaga que vai surgir que é de livre escolha da governadora. Eu, como conselheiro, tenho apenas a expectativa de que ela escolha alguém que preencha os requisitos constitucionais sobretudo de capacidade técnica para assumir o cargo.
O senhor vê algum tipo de ingerência da legislação de prever nomeações feitas pelo Executivo para uma Corte de fiscalização?
Se discute a possibilidade de outros mecanismos para efeito dessas escolhas. Muitas pessoas falam a questão do concurso público, que seria uma saída. Mas o que vejo é a necessidade do governante respeitar o que está posto na Constituição. Ela (a Constituição) elenca uma série de requisitos e eles devem ser respeitados. Acredito que nessa pauta o governante deve ser zeloso para não transgredir os postulados. Acredito que se houver o cumprimento disso muitas questões podem ser dirimidas quanto a isso.
Qual o desafio que se põe hoje para o TCE do Rio Grande do Norte?
Acho que o grande desafio do Tribunal de Contas do Estado é se modernizar cada vez mais. Eu vejo e acompanho o Tribunal há muito tempo, ele vem avançando, recentemente fez um novo concurso público, chamou mais de 40 pessoas para assumir cargos efetivos. O Tribunal está se renovando, vem adotando mecanismos novos de controle. Eu lhe dou um exemplo: você está diante de um processo de tarja vermelha, é um processo específico onde o tribunal atua de forma preventiva. Esse é o grande passo que o tribunal está dando para tornar sua ação mais efetiva. No caso específico tem uma licitação em andamento e se projeta possível irregularidade, nesse caso o tribunal vai atuar impedindo que a licitação venha chegar ao seu fim. Essa atuação preventiva do Tribunal evitando que o dano ocorra é o grande desafio e a grande promessa que o Tribunal tem para os próximos anos.
Fonte: Anna Ruth Dantas
Foto: Ana Silva
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