Foram obtidos só 4% do que se necessita para imunizar a população. O risco de ficar sem o antígeno fabricado no país parece ter incomodado o governo
O empresário Fernando de Castro Marques ganhou uma notoriedade fugaz nas eleições de 2018 por ser o candidato mais rico na disputa, com um patrimônio de 668 milhões de reais. Ele tentou uma vaga ao Senado no Distrito Federal pelo Solidariedade, mas ficou em nono lugar. “Foi muito de última hora. Para quem nunca tinha sido candidato, tive 125 000 votos. Mas esperava um pouco mais”, diz ele a VEJA, sem esconder que o sonho de vencer na política ainda continua. Marques volta agora ao noticiário, mas em outro contexto. Recebe telefonemas e visitas de governadores em busca daquele que se tornou o produto mais cobiçado na pandemia: a vacina contra a Covid-19. E não é para menos. Dono da farmacêutica União Química, ele é o homem que pode oferecer ao Brasil 150 milhões de doses ao ano do imunizante russo Sputnik V, a metade do que o país prevê no Programa Nacional de Imunizações (354 milhões).
Se o caminho eleitoral foi até agora breve e sem sucesso, não se pode dizer o mesmo de sua trajetória empresarial. A União Química, que começou com a aquisição do laboratório Prata por seu pai, em 1970, tem hoje oito fábricas e 6 480 funcionários. No ano passado, o grupo entrou no promissor mercado das vacinas contra a Covid-19 ao firmar acordo com o Fundo de Investimentos Diretos da Rússia, controlador da Sputnik V. A tentativa de vender o imunizante no país, porém, começou mal: o pedido de uso emergencial foi devolvido no dia 17 de forma sumária pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) porque a farmacêutica não cumpriu um requisito essencial: executar os testes da fase 3 no Brasil. Quatro dias depois, a agência e a companhia sentaram para discutir as pendências. Segundo Marques, se a sua produção não tiver mercado no Brasil, será vendida a países como Argentina, Paraguai, Venezuela e Bolívia, onde o uso emergencial do fármaco foi aprovado.
O risco de ficar sem o imunizante fabricado no país parece ter incomodado o governo. Na segunda-feira 25, o número 2 do Ministério da Saúde, o secretário executivo Elcio Franco, enviou ofício à empresa no qual relata que “está disposto a formalizar tratativas comerciais para a eventual aquisição de lotes do imunizante de forma a aumentar o mais brevemente possível a oferta à população”. A pasta tem pressa porque teve à disposição até agora só 12 milhões de doses, algo em torno de 4% do que espera para imunizar a população. O país tem acordos com a AstraZeneca/Oxford/Fiocruz e com a Sinovac/Butantan para receber quase 150 milhões de doses até o fim do semestre, mas a produção esbarra na falta de insumos vindos da China.
O governo, porém, nem sempre teve essa pressa. Carlos Murillo, CEO no Brasil da Pfizer, tenta vender 70 milhões de doses desde agosto passado. No sábado 23, o ministério, enfim, reconheceu em nota que foi procurado, mas que descartou por temer frustrar os brasileiros, já que apenas 2 milhões de doses seriam entregues no primeiro trimestre — a mesma quantidade liberada pela Índia na semana passada, porém, foi celebrada pela pasta. Em várias oportunidades, o presidente Jair Bolsonaro criticou o contrato oferecido porque uma cláusula isentava a empresa de responsabilidade por efeitos colaterais, condição que foi aceita por quarenta países. Com todo esse clima, Murillo — um chileno de 45 anos que comanda a filial no Brasil desde 2017 — tem evitado falar com a imprensa. Em nota, a companhia diz que “segue negociando um possível acordo com o governo”.
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Fonte: Tatiana Farah e Laryssa Borges/VEJA
Foto: Ruy Baron/Valor/Folhapress
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