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domingo, 4 de março de 2012

"SERÁ A ELEIÇÃO DE CONSAGRAÇÃO DA LEI DA FICHA LIMPA".

A eleição municipal de 2012 será a consagração da lei da Ficha Limpa. A análise é do novo chefe do Ministério Público Eleitoral, o procurador da República Paulo Sérgio Rocha. Com argumentações consistentes, forte para pedir punição àqueles que infringem a legislação eleitoral, empolgado com a Ficha Limpa, o novo procurador regional Eleitoral traz o tom do equilíbrio e do rigor para a nova função. Será dele o papel de comandar o Ministério Público Eleitoral no pleito de 2012. As primeiras providências já foram definidas. Paulo Sérgio Rocha solicitará a lista dos políticos condenados no Tribunal Regional Federal, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas do Estado e Tribunal de Contas da União. O plano do procurador é cruzar os dados dessa ampla lista com aqueles nomes dos políticos que solicitarem o registro de candidatura. "Minha ideia é pedir que o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral peçam essas listas porque concentra (as informações). O candidato que tente registrar sua candidatura e conste naquela lista que aparece no TRE, o próprio TRE já abortará o registro", analisa o procurador.
Cauteloso, Paulo Sérgio Rocha destaca que a fiscalização será rigorosa, mas admite que não há como acabar com a prática do Caixa 2 e da compra de votos. No entanto, é preciso coibir e, para isso, o procurador convoca a ajuda dos próprios eleitores. "Espero do eleitor que ele, por mais carente que seja, por mais necessidade que tenha, ele não se aproveite do fato do político lhe oferecer vantagem indevida para ganhar alguma coisa", ressalta.

Confira a entrevista que o procurador regional Eleitoral concedeu a TRIBUNA DO NORTE:

Qual o desafio de quem assume a chefia do Ministério Público Eleitoral?
A primeira questão é se preparar e preparar as eleições. Nesse caso específico de 2012, trata-se de eleições municipais, então todas as causas começam com os promotores eleitorais, só chega na Procuradoria Eleitoral em grau de recurso. A conseqüência disso é que a gente precisa estar muito próximo dos promotores, discutindo teses, mostrando como está o entendimento do tribunal, mostrando que determinada causa é viável, vale a pena investir, que outra causa não, que a jurisprudência já se firmou contrariamente. Daremos o apoio necessário aos promotores eleitorais e, eventualmente, até aos juízes eleitorais nesse primeiro contato, já que as causas eleitorais nas eleições municipais começam lá embaixo.

Os promotores eleitorais já publicaram recomendações alertando para festas promovidas e até eventos de igrejas. Qual a visão que o senhor tem sobre o comportamento dos políticos na temática da propaganda eleitoral antecipada?
Nas eleições municipais a luta política é muito renhida, muito próxima, os resultados das eleições costumam ser muito apertadinhos. Isso gera uma tentativa dos eleitores mesmo e candidatos de fazer propaganda onde for possível. Essa iniciativa dos promotores é extremamente louvável. Esse exemplo que você deu de Igreja é apenas um. Mas existem bingo, vaquejada, festas. Em todas essas formas se tenta associar que aquela vaquejada o prêmio foi dado por uma pessoa. Os promotores tentam alertar para que não venha depois o aspecto punitivo. Por enquanto é o aspecto educativo, preparatório, preventivo e tentar evitar o aspecto punitivo. Há multa para quem faz essa propaganda eleitoral antecipada. Mas eu atribuo isso, sem deixar de reconhecer que é uma prática extremamente nefanda, perigosa, atribuo ao fato de que as eleições, notadamente municipais, são muito complicadas nesse sentido. É uma eleição muito complicada nesse aspecto. Os resultados são muito próximos, metade da cidade está a favor de um lado, metade a favor de outro.

A propaganda eleitoral reiteradamente pode ensejar a inviabilidade de uma candidatura por uma ação judicial?
É difícil chegar a situação de inviabilizar uma candidatura, mas o excesso, caso comprovada essa propaganda reiterada, o excesso de multas, elas são cumulativas, começa com um valor e em caso de reincidência vai aumentando. Isso pode terminar inviabilizando até financeiramente alguma candidatura. Impedir a candidatura simplesmente, já de início, é muito complicado. Mas a soma de sucessivas condenações pode não impedir, mas inviabilizar determinada candidatura.

Como o senhor avalia a problemática da compra de voto?
Em eleições há algumas coisas que são verdades sabidas e infelizmente a gente não pode fazer alguma coisa, são as frustrações do cargo. Antes de adentrar a sua pergunta, falo sobre a questão da propaganda que é promoção pessoal. A gente vê fulano de tal 2012. A jurisprudência, a meu ver erradamente, caminhou por um entendimento dizendo que não é propaganda antecipada, isso é apenas promoção pessoal. Só que a prática mostra que as pessoas que colocam outdoor desejando feliz Natal, declarando apoio a algum evento, terminam sendo candidatos. É uma inocência, romantismo muito grande da Justiça Eleitoral de maneira geral, em não punir esse tipo de coisa, dizendo que é apenas promoção pessoal. A Justiça fecha os olhos para esse tipo de coisa. Em relação à compra de votos ocorre algo parecido. Todo mundo sabe que acontece, notadamente nas eleições municipais os promotores contam histórias de que a meia noite vão no sítio e recebem votos, família de prole maior recebe mais dinheiro. Só que esbarramos em algo muito difícil que é a prova. Justamente porque as eleições são muito apertadas, são muito competitivas ninguém quer depôr, nem a favor do seu próprio candidato, nem contra o candidato alheio. Isso termina gerando dificuldades para o promotor que está tentando descobrir o fato, porque ele (o promotor) não consegue provar. O Ministério Público amadureceu, não ingressa com ações irresponsáveis, com ações sem provas, corretamente, não é para fazer isso mesmo, depende da sociedade alguém que deponha. Não basta alguém chegar e dizer que estão comprando voto na casa de alguém. É preciso de provas que comprove que naquele dia fulaninho tentou comprar o voto de beltrano. Sem isso não se consegue nada.

Há exemplos de propaganda que circula no trânsito de Natal com número do partido e o nome da cidade. Isso é propaganda antecipada?
A meu ver, menos que isso poderia ser. Eu gosto de chamar coisas pelos seus verdadeiros nomes, não gosto de dourar a pílula e disfarçar o que é indisfarçável. Se quer fazer propaganda pessoal faça, mas a legislação deveria prever que o candidato não poderia fazer. Aqueles que pretendem ser candidatos deveriam ser impedidos de fazerem promoção pessoal. É uma cegueira, as pessoas que fazem promoção pessoal são as mesmas que no futuro se candidatam a algum cargo. Nesse caso do partido, você começa a associar ao nome de um partido.

Caixa 2 também ocorre muito frequente nas eleições. Como o senhor pretende atuar para tornar a fiscalização mais atuante?
O Ministério Público Eleitoral atuará de maneira atenta, buscando saber provas por meio de quebra de sigilo fiscal, na medida do possível, a legislação hoje é bem mais dura, já permite que com o rastreamento de receita descubra os recursos doados. Aqueles (recursos) mais as escondidas não teremos como comprovar. O controle das prestações de contas é muito bem feito pelo Tribunal Regional Eleitoral. Tem um setor técnico muito dedicado, muito preparado, que analisa as contas, que consegue perceber inconsistências. Como um candidato diz que gastou apenas tal valor, quando se percebe que ele gastou X. Há elementos que permitem, que tornam menos difícil a tarefa de descobrir. Mas, claro, ainda deve ocorrer (caixa 2). O ilícito está sempre na nossa frente, a gente sempre correndo atrás. Então deve ocorrer e o Ministério Público estará vigilante e atento a isso.

Há novos mecanismos para esse pleito 2012?
Não houve alteração significativa nas resoluções feitas, até agora, em relação a eleição anterior. Em relação as formas de controle elas permanecem basicamente as mesmas. Não conseguem impedir tudo, mas são muito boas. Justamente porque hoje em dia, o número de doadores, o valor das doações, é bem controlado. A gente consegue, eventualmente, rastrear alguma coisa que possa ter excedido. Mas aquele que vem escondido mesmo, isso depende do partido adversário descobrir e comunicar ao Ministério Público, ou alguma testemunha denunciar. Temos os controles formais, mas esse que vai por debaixo do pano o Ministério Público ainda depende de pessoas que tragam a notícia para ele (o Ministério Público).

Essa será a primeira eleição com a validade da Ficha Limpa. Como o senhor pretende atuar com isso, inclusive porque há uma série de discussões que continuam permeando o assunto?
A lei da Ficha Limpa foi um avanço. Ela surgiu com uma redação bem mais progressista, bem mais avançada, teve alguns retrocessos no Congresso Nacional e foi aprovada a lei que poderia ser aprovada. Não é a melhor das leis, poderia ir bem mais além, mas houve, inegavelmente, um significativo avanço no Direito Eleitoral brasileiro. Quem sabe daqui a quatro anos ou dez anos, a gente dê mais um passo e consiga ter uma lei mais rigorosa. Essa lei que está aí acho que o grande teste dela foi aquele julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Embora ainda existam outros questionamentos que estão sendo feitos, eu acredito que o principal teste foi esse, foi vencido. Acho que agora as outras discussões serão aquilo que no Nordeste se diz muito é o estrebuchar, é tentar esticar a corda. Mas o pior já passou. A lei da Ficha Limpa venceu. Essa vai ser a grande eleição de consagração da lei da Ficha Limpa.
Iremos atrás dos candidatos fichas sujas.

O senhor acredita que as discussões jurídicas que surgem (a inelegibilidade, por exemplo, era de três anos, passou para oito anos e a discussão é saber sobre quem estava cumprindo pena quantos anos passará inelegível) não podem tornar frágil a lei da Ficha Limpa?
Você pode até ter a discussão sobre quem está inelegível agora por três e passou para oito. Ainda que se reconheça que no caso de quem já estava com três permanece com três (anos de inelegibilidade) a lei não perde seu valor. Porque quem for condenado a partir de agora aí sim sofrerá a sanção de oito anos. Ainda que ela (a lei da Ficha Limpa) não seja publicada na sua inteireza para essas situações que estão transitando de uma legislação mais frouxa para uma legislação mais rigorosa, mesmo que essas situações de concorrência de lei do tempo, se entenda que aplique a lei anterior, para os futuros casos se aplicará a lei da Ficha Limpa que é mais rigorosa. Já se ganhou pelo menos nisso.
Mas isso vai gerar muitas discussões jurídicas.
O Supremo Tribunal Federal sinalizou um entendimento em prol da lei da Ficha Limpa. Foi um recado, um bonito recado, de modo que acredito que nos Tribunais Regionais Eleitorais os juízes eleitorais entenderam ou entenderão esse recado. É claro, em Direito tudo tem quatro, cinco interpretações, faz parte do Direito e isso que enriquece o Direito, mas acredito que dentre as muitas interpretações possíveis, vai terminar preponderando se não no primeiro grau, mas no segundo grau, no Tribunal Superior Eleitoral ou mesmo no Supremo de novo, decisões a favor da Ficha Limpa. A população quis moralizar um pouco mais, já que a lei da Ficha Limpa é de iniciativa popular, e o Supremo Tribunal Federal endossou isso aí. Ainda que possam existir discussões, ao fim essas discussões serão encerradas em favor da lei da Ficha Limpa.

Os candidatos que tiverem contas desaprovadas no Tribunal de Contas do Estado é ficha suja?
A lei faz umas exigências técnicas, mas nós já vamos pedir para que o Tribunal informe aqueles que se enquadrem exatamente na situação descrita na lei complementar 135, ou seja, na lei da Ficha Limpa. Não quero nem mais e nem menos. Vou solicitar que o Tribunal de Contas informe a hipótese legal. As pessoas que o Tribunal de Contas responder que se enquadram naquelas situações serão inelegíveis. Caso apresentem pedido de registro o partido oponente ou o Ministério Público vai representar.

Então o senhor já vai solicitar essa lista prévia para o Tribunal de Contas do Estado?

Exatamente. Vou solicitar essa lista porque quem sabe quem foi condenado ou não, há também os recursos que são feitos dentro do próprio Tribunal, mas vou perguntar ao TCE aqueles que tiveram contas reprovadas mesmo.
O senhor deve protocolar o pedido dessa lista quando?
Eu assumi hoje (quinta-feira passada). Primeiramente preciso me reunir com os promotores eleitorais, sentir o feedback deles, a dificuldade deles. Até porque vamos à caça não só da hipótese da lei da Ficha Limpa, mas de todas as demais. Essa de contas reprovadas no Tribunal de Contas, pessoas que foram condenadas por improbidade administrativas e tiveram condenação mantidas no Tribunal, pessoas que foram condenadas em ações penais e foram mantidas (as condenações) nos tribunais. Vamos à caça, buscar a lista dessas pessoas. Vamos ficar com a lista debaixo do braço. Se a pessoa que está na lista apresente o registro de candidatura não será possível.

Mas é operacional elaborar essa grande lista de pessoas que tiveram condenações em segunda instância, até porque sairão nomes que não são de gestores, há também assessores, secretários condenados em segunda instância? O senhor não poderia fazer pesquisa nos tribunais a partir das candidaturas postas com o pedido de registro?
Eu vou tentar fugir dessa situação mais artesanal. Minha ideia é pedir que o Tribunal Regional Eleitoral e o Tribunal Superior Eleitoral peçam essas listas porque concentra (as informações). O candidato que tente registrar sua candidatura e conste naquela lista que aparece no TRE, o próprio TRE já abortará o registro.

Será uma lista muito grande?
Não necessariamente, não sei como está o quadro no Estado. Não sei como estamos em matéria de contas reprovadas. Não sei como está essa situação. A pesquisa seria Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal. É claro que se chega uma causa para mim, se não estou de posse dessa lista, então vou para aquilo que lhe falei, o artesanal, olhar no site, verificar, pedir certidão. Mas a ideia é ter algo prévio para que quando os registros começarem a chegar todos, o juiz, o promotor, já esteja de posse disso e confrontar com a lista. É fácil, é cruzamento de dados. O difícil é obter esses dados. O cruzamento em si é simples, o que precisa é obtenção dos dados.

O que o senhor espera do eleitor no pleito 2012?
A primeira coisa que espero, embora acredite que não vá obter, é a não pactuação com a compra de voto. O Rio Grande do Norte é Estado pobre, tem interiores que dependem basicamente de recursos federais e cargos públicos das prefeituras, de INSS. São pessoas mais sujeitas a sofrerem influência de ordem financeira. No contexto desse espero do eleitor que ele, por mais carente que seja, por mais necessidade que tenha, ele não se aproveite do fato do político lhe oferecer vantagem indevida para ganhar alguma coisa. É difícil porque estamos no Estado pobre e os políticos têm essa reserva financeira e essas reservas são feitas por meio do caixa 2, justamente para fazer isso. É triste, é doloroso ver pessoas vendendo seus votos por R$10, R$ 15, R$ 20. O que espero do eleitor é que se eduque um pouco mais, seja sensível. A segunda coisa é sobre propaganda, é interessante que o eleitor participe, se engaje, é saudável, é democrático, é republicano, que o eleitor encampe as teses do seu candidato. Mas que seja só isso. Que não faça a propaganda indevida, antecipada, porque isso em vez de ajudar prejudica porque gera processo e aquele candidato para quem ele faz propaganda pode terminar sendo multado. O eleitor quando vir algo irregular procure o Ministério Público, noticie, divulgue, as irregularidades de quem tem conhecimento para que as autoridades possam agir.

Ao final dessa entrevista, a impressão que eu tenho é que o novo chefe do Ministério Público Eleitoral chega com rigor e tolerância zero para subterfúgios que possam desequilibrar o pleito.
Em Direito ninguém é puro, todo mundo traz uma experiência. Aqui no Ministério Público Federal trabalho há muito tempo com patrimônio publico, eu vejo, estou cansado de ver, pessoas que pautaram seus mandatos por desaviarem recursos públicos. As vezes a União passa recursos para uma praça pública e essas pessoas desviam. Não posso negar que chego para exercer minhas funções eleitorais influenciado por ver tantas vezes isso, políticos exercendo seus mandatos preocupados apenas em se locupletarem. Ao mesmo tempo tenho a cautela de não ajuizar e nem endossar ações temerárias.

Fonte: Anna Ruth Dantas

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