RNPOLITICAEMDIA2012.BLOGSPOT.COM

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O NOVO CPC E A REVOGAÇÃO DE ALGUNS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO CIVIL - PARTE 1.

O art. 1.072, II, do CPC de 2015 revogou expressamente alguns dispositivos do Código Civil (os arts. 227, caput, 229, 230, 456 ,1.482, 1.483 e 1.768 a 1.773). Fundamental se faz examinar o alcance dessas revogações sobre o sistema jurídico brasileiro.
Essas disposições revogadas podem ser agrupadas em categorias: (i) disposições sobre provas (art. 227, caput, 229 e 230); (ii) uma disposição sobre denunciação da lide (art. 456); (iii) disposições sobre remição de bens (arts. 1.482 e 1.483); (iv) disposições sobre interdição. Pretendo examinar, em uma série de textos que hoje se inicia, cada uma dessas revogações.
O primeiro dispositivo revogado é o art. 227, assim redigido: “Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados”. Trata-se de dispositivo capaz de estabelecer uma hipótese de aplicação de um antigo e já há muito superado sistema de valoração das provas, conhecido como sistema da prova legal, por força do qual cabe à lei fixar, em abstrato, o valor de cada prova que em um processo se pode produzir. Pois no caso previsto no art. 227, a lei civil estabelecia que como regra geral não se admitiria a produção de prova exclusivamente testemunhal para demonstrar a existência de um negócio jurídico cujo valor ultrapassasse o décuplo do salário mínimo.
Ocorre que, como sabido, muitos negócios jurídicos são não-solenes, isto é, sua validade não depende da observância de requisitos formais rígidos, “sendo formados pelo simples consentimento das partes, em consonância com o moderno princípio da liberdade das formas”.[1] Ora, se o negócio jurídico é não-solene, não existe qualquer razão para exigir-se a existência de prova escrita de sua celebração. Consequência disso é a regra, muito mais consentânea com a classificação dos negócios jurídicos, por força da qual “[n]os casos em que a lei exigir prova escrita da obrigação, é admissível a prova testemunhal quando houver começo de prova por escrito, emanado da parte contra a qual se pretende produzir a prova” (art. 444 do NCPC).
Veja-se, então, que por força do novo CPC só se cogita da necessidade de haver começo de prova escrita (que pode ser reforçado por prova testemunhal) quando a lei expressamente exigir “prova escrita da obrigação”. Sendo, porém, não-solene o negócio, e não havendo regra específica a exigir a prova escrita (como há, por exemplo, para o depósito voluntário, nos termos do art. 646 do Código Civil), será admissível a produção de prova exclusivamente testemunhal. A inovação, como se vê, é elogiável.
Vale registrar que apenas o caput do art. 227 foi revogado, mas não o seu parágrafo único (“Qualquer que seja o valor do negócio jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou complementar da prova por escrito”), o que é perfeitamente compatível com o sistema probatório estabelecido a partir do novo CPC.
Também é revogado expressamente o art. 229 do Código Civil, por força do qual ninguém poderia ser obrigado a depor sobre fato a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo; a que não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo; ou que o exponha, ou às pessoas referidas anteriormente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato.
Neste caso a revogação resulta, simplesmente, da existência, no novo CPC, do art. 388, por força do qual “[a] parte não é obrigada a depor sobre fatos: I – criminosos ou torpes que lhe forem imputados; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo; III – acerca dos quais não possa responder sem desonra própria, de seu cônjuge, de seu companheiro ou de parente em grau sucessível; IV – que coloquem em perigo a vida do depoente ou das pessoas referidas no inciso III”, assim como do art. 448 - “A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos: I – que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau; II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo”. As disposições contidas no CPC de 2015, como facilmente se percebe, tornaram inútil aquele dispositivo do Código Civil. Daí a revogação.
Outro dispositivo do Código Civil expressamente revogado é o art. 230, segundo o qual “[a]s presunções, que não as legais, não se admitem nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal”. Este dispositivo, como ensina Leonardo Greco, “vale apenas como uma recomendação ao juiz. Trata-se de restrição imposta para evitar a produção de provas supostamente suspeitas, mas que não pode constituir obstáculo à apuração da verdade, servindo apenas de advertência ao juiz da sua normal precariedade”.[2] Ora, se há aí uma mera advertência ao juiz, não há qualquer razão para a manutenção dessa disposição. Afinal, o juiz saberá, junto com as partes, construir em contraditório a decisão, valorando as provas produzidas para definir o que está ou não efetivamente demonstrado. Tem-se aí, pois, outra boa inovação.
Em matéria probatória, portanto, as revogações de dispositivos do Código Civil produzidas pelo novo CPC são elogiáveis. Melhor do que isso, só se todo o título das provas do Código Civil tivesse sido expressamente revogado. Afinal, como já venho sustentando há bastante tempo, o Código Civil não deveria tratar dessa matéria, a qual é de natureza processual e, por isso, encontra no CPC sua sede adequada.[3] De toda sorte, o sistema probatório brasileiro se aperfeiçoa com as revogações daqueles dispositivos do Código Civil, e isto, por si só, já é motivo de celebração.
Das outras revogações tratarei no prosseguimento desta série de textos.

Fonte: Alexandre Freitas Câmara é Professor Emérito da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro). É Desembargador no TJRJ/http://justificando.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

COMENTÁRIO SUJEITO A APROVAÇÃO DO MEDIADOR.