Movidos pelo ódio, nos tornamos insensíveis a argumentos, dados e autoridades.
Antes de uma batalha decisiva, os soldados do Império Romano erguiam um templo e convocavam os deuses do inimigo a visitá-lo. Dessa forma, os deuses bárbaros podiam conhecer o poderio dos deuses romanos sem compromisso, eventualmente mudando de domicílio ao perceber vantagens nas oferendas romanas. A astúcia desse procedimento consistia em instalar a dúvida nos combatentes. Seremos abandonados por nossos deuses? Seriam eles mais frágeis que os de nossos hospitaleiros adversários? A eficácia da estratégia romana baseava-se no ataque ao núcleo das crenças pagãs. Eles gritavam “Tenham medo de nós porque nossos deuses são mais fortes”, incutindo o medo objetivo da derrota. Junto com isso havia o sussurro maledicente – “Será que seus deuses te amam tanto assim?” – que incitava a dúvida, a incerteza e o medo subjetivo de desproteção.
A economia de nossas crenças digitais parece recapitular a dupla estratégia romana. Juntar-se para colocar medo nos outros e manter templos digitais sempre abertos à visitação dos deuses alheios. Qualquer um pode ter sua página, seu blog ou sua rede social convidando outros a participar ou a compartilhar de sua própria religião musical ou filosófica, moral ou política, estética ou culinária. Quando suas crenças forem postas em dúvida, cure-se falando mais alto. O conteúdo da crença, o valor do factual ou a utilidade de seus enunciados tornou-se tão importante quanto o modo de praticá-la. O estilo da crença cria a verdade na qual ela se fundamenta.
Viver neste estado de certificação e erosão das próprias crenças é uma experiência psíquica cansativa e arriscada. A indeterminação das certezas recupera antigos remédios caseiros: fanatismo religioso, terrorismo político, moralismo galopante.
A afirmação de identidades, as juras conservadoras e a inflexibilidade de opiniões são as queixas constantes dos que frequentam interativamente a rede. Gritar mais alto e reunir o maior número de participantes no jogral é uma espécie de reação alérgica à incerteza que assedia aqueles que ainda não sabem no que acreditar. Uma opinião contrária, às vezes criada apenas para aquela ocasião, pode nos fazer explodir em raiva e medo, como bárbaros. Mais tarde, na solidão do travesseiro, a raiva transforma-se em dúvida. O excesso de certeza vira arrependimento. Sentimos impotência, vazio e desamparo diante da incerteza solitária. A batalha diária, já dura por si só, fica ainda mais pesada, pois temos de aplacar o sussurro dos deuses alheios.
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