Logo depois de acordar, no feriado de 21 de abril, Rogério da Silva Filho, de 44 anos, sentiu-se mal e caiu no banheiro de seu apartamento, na Zona Sul de São Paulo. Ana Cristina, sua mulher, conseguiu carregá-lo para a cama, mas em poucos minutos ele estava morto. Levou 12 horas até que o corpo fosse removido da casa.
— O único problema que ele tinha era a pressão alta, mas estava controlada. De repente ele se foi, é difícil de acreditar — conta Ana Cristina, que passou oito horas ao lado do corpo do marido até a chegada da equipe do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Emergência).
Como em todos os casos assim, o corpo de Rogério foi preparado por médicos e enfermeiros do Samu. Após a morte ser constatada, ele foi despido, desinfetado com uma solução de água com hipoclorito de sódio e colocado em um saco plástico. Ficou assim por mais quatro horas no quarto que dividia com Ana Cristina, até que o serviço funerário o retirasse do apartamento e o levasse direto para o cemitério, onde foi enterrado ao lado dos pais, após uma cerimônia simples.
Rogério tinha recebido o resultado positivo para a Covid-19 poucos dias antes de morrer. Parecia estar se recuperando bem. Por duas vezes ele havia ido ao Hospital Cruz Azul, onde trabalhava como analista de sistemas. Foi instruído a voltar para casa e acompanhar os sintomas.
O caso é mais um exemplo do novo drama causado pela pandemia. São Paulo, cidade mais afetada pela doença no país, tem registrado um número crescente de pessoas que morrem em casa vítimas do novo coronavírus. Entre os dias 10 e 20 de abril, o Samu emitiu 20 atestados de óbito — média de dois por dia — para moradores da capital que faleceram em seus domicílios com sintomas claros da Covid-19. Todos foram testados para a doença, mas alguns resultados ainda não ficaram prontos.
— As mortes que nós registramos como Covid-19 eram casos em que havia muito poucas dúvidas de que se tratava de uma evolução causada pelo novo coronavírus ou casos em que os pacientes já haviam testado positivo — diz, sem se identificar, um dos diversos médicos do Samu que agora são responsáveis por emitir os atestados de óbito.
Para o médico, o número real de mortes relacionadas ao vírus é maior do que o registrado pelo próprio Samu:
— A verdade é que em uma pandemia é impossível saber se os outros casos não estavam também relacionados à Covid.
No mesmo período de dez dias, o Samu emitiu outros 120 atestados de óbito nas casas paulistas. É o dobro do que era registrado em média em intervalo de tempo semelhante antes da pandemia. Em nenhum desses casos houve teste para Covid. Segundo médicos e enfermeiros do serviço de urgência entrevistados pelo EXTRA, o número de mortes domiciliares ligadas à Covid-19 cresceu ainda mais nesta última semana. O Samu não divulgou dados da emissão de atestados de óbito entre os dias 20 e 24.
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Fonte: Gustavo Basso e Yan Boechat
Foto: Yan Boechat
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