“Será que nunca faremos, senão confirmar, a incompetência da América católica, que sempre precisará de ridículos tiranos.
Será que esta minha estúpida retórica terá que soar, terá que se ouvir, por mais zil anos.
Ou então, cada paisano e cada capataz, com sua burrice, fará jorrar sangue demais, nos pantanais, nas cidades, Caatingas e nos gerais.
Enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome, de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais!” (Podres Poderes, Caetano Veloso).
É inerente à democracia respeitar a diversidade de opiniões, vedado o choque com valores fundamentais, social e juridicamente protegidos que são de manifestações a eles contrapostas – não se pode sair por aí defendo impunemente o Holocausto.
Excluídas estas situações-limite, o desenvolvimento da sociedade dependerá do equilíbrio entre pontos de vista diversos, até se extrair qual seja o interesse público vigente em determinado momento.
Contudo, não há uma fita métrica a aferir com exatidão a justa medida a ser adotada, competindo às autoridades legitimadas na nossa democracia representativa decidir muitos dos rumos concretos a serem tomados.
Estas reflexões conceituais surgem em meio à ebulição atual do Estado do Rio Grande do Norte, premido pelo pandemônio da segurança pública e o dever de decidir onde serão erguidos presídios para suprir déficit de aproximadamente 4.000 vagas no sistema prisional – supostamente, em um modelo com 600 vagas, seriam necessários 6 a 7 presídios; a opção por cadeias públicas requereria um número diversas vezes maior.
Felizmente, até aqui, não se ouviu insana voz negadora da necessidade de erguer estruturas imprescindíveis para o Estado encarcerar pessoas, sem com isso eliminar outros elementos indispensáveis à sobrevivência humana, como o espaço vital – nem gado é capaz de sobreviver confinado com outros 30 de sua espécie em um cubículo projetado para caber apenas 4 seres vivos.
Mas, se obviamente temos que construir locais adequados para encarceramento, no entanto, o embate surge quando se há de definir onde eles serão erguidos. Eles são vistos como um mal necessário a ser posto o mais longe possível - como os leprosos da antiguidade.
Entretanto, é impossível construir um presídio distante de todos, muito menos seis deles – nossa tecnologia ainda não evoluiu para erguermos estruturas na lua!
Com tudo isso, espanta ver quantas barreiras são colocadas aleatoriamente para impedir a construção do primeiro deles, em um festival de bater de cabeça entre vontades políticas.
Superou-se o que deveria ser o mais difícil em tempos de crise financeira, mas os donos do poder não conseguem chegar a um consenso nem fazer em tempo hábil aquilo que não pode ser adiado – pelas vidas em risco e pelos R$ 14,7 milhões dissolvíveis no ar.
Em situações como tais, não se pode aguardar jorrar ainda mais sangue. Trata-se de uma decisão de Estado e cada cidade não pode cerrar-se em copas como se fosse uma ilha de soberania. Não há fronteiras internas a serem fechadas – admissível juridicamente até mesmo desapropriação de um bem público municipal pelo Estado.
Para tanto, não é necessário um tirano. Ao revés, precisa-se de um democrata capaz de tomar decisões amargas, pois, imprescindíveis a toda sociedade.
De outro modo, não há como compreender porque estamos todos em estado de sítio com o caos na segurança pública do Rio Grande do Norte, enquanto o dinheiro para começar a resolver o problema dorme esquecido em uma conta.
Em breve, mal tratado desse jeito, ele voará para outros ninhos mais eficientes, se nada for feito com a pressa típica daqueles que tem fome!
Fonte: Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN/http://tribunadonorte.com.br/
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