As eleições, com sua força magnética, atraem nossos olhos, corações e mentes, concentrando a energia social no principal ato democrático. É natural e importante que assim seja, pois balizarão os destinos de milhões de pessoas pelos próximos quatro anos.
Mas, em meio às notícias do processo eleitoral, um fato quase despercebido clama por mais atenção do Rio Grande do Norte, sobretudo pela duração dos seus reflexos, igualmente extensíveis por vários anos. Neste caso, o tempo é contado em dezenas, mais precisamente as duas durante as quais pagaremos pelo contrato de Parceria Público-Privada firmado com a Arena das Dunas.
De fato, vimos nesta semana notícia veiculada pela Tribuna do Norte quanto às provisões do governo do Estado para honrar as próximas parcelas mensais devidas à Arena, que se limitavam apenas a um dos próximos pagamentos devidos até o final deste ano. Com esta perspectiva, cerca de R$ 30 milhões estão passíveis de ficarem em aberto.
Ou seja, nos passos iniciais de uma longa jornada prevista para durar 20 anos, poucos meses após os primeiros pagamentos que o Estado se comprometeu a fazer, a carga já dá sinais de ser pesada, além de cobrar um preço amargo.
Neste ponto, muitos poderiam pensar: qual a relevância de se pagar as dívidas deste contrato específico? Já não são tantos os fornecedores em atraso, inclusive afetando áreas muito mais sensíveis como saúde e segurança pública?
O problema é que a especificidade desta potencial dívida não está na essência do serviço que é entregue aos nossos cidadãos, mas nas garantias que a cercam e o efeito multiplicador que seu uso possa ter nas finanças públicas estaduais. Em uma parceria público-privada (PPP), o descompasso com as obrigações de pagamento do Estado tem efeitos imediatos, ao contrário dos outros credores menos amparados.
Ao optarmos pela PPP, construiu-se um colchão de segurança para este crédito, de modo que o contratado não passará muito mais do que trinta dias sem o seu devido pagamento, pois este atraso é seguido pelo direito de acionar diretamente o fundo garantidor – R$ 70 milhões já separados dos royalties do petróleo, sob a responsabilidade da Agência de Fomento do Rio Grande do Norte (AGN), mais algo em torno de R$ 300 milhões em bens públicos atualmente em uso.
Ocorre que o RN não pode simplesmente deixar estes R$ 70 milhões serem utilizados até o seu esgotamento. Ao revés, a cada utilização total ou parcial desta garantia, o Estado tem que recompor o que foi retirado e ainda acrescer mais R$ 10 milhões – como uma espécie de sanção pelo seu inadimplemento -, chegando ao limite máximo de R$ 123,6 milhões em valores atuais.
E a sucessão de percalços do caminho não para neste grave risco potencial, podendo entrar numa espiral negativa até bater no Fundo de Participação do Estado (FPE).
Infelizmente, não nos cabe agora discutir se o contrato deveria ter sido feito nos termos que foi – aspectos financeiros de contratos administrativos só são passíveis de modificação contra a vontade do contratado em face de ilegalidade, não pela Administração Pública ter errado no cálculo do ônus que ele representaria.
Fonte: Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN/http://tribunadonorte.com.br/
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