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terça-feira, 23 de dezembro de 2014

COMO SE NÃO HOUVESSE AMANHÃ.

“A cigana leu o meu destino. Eu sonhei! Bola de cristal, jogo de búzios, cartomante. E eu sempre perguntei: o que será o amanhã? Como vai ser o meu destino?
Já desfolhei o mal-me-quer...
Como será amanhã? Responda quem puder... O que irá me acontecer? O meu destino será como Deus quiser!” 
Simone, O amanhã

Alguns iluminados cunham frases certeiras que se projetam muito além do seu tempo. Entre elas, aos que acompanham os acontecimentos no Rio Grande do Norte em dezembro de 2014, uma se apresenta como a constatação de uma triste realidade inafastável: “A longo prazo, estaremos todos mortos!” (John Maynard Keynes).
Tomada simplesmente por seu valor de face, para alguns, esta afirmação pode induzir que não devamos nos preocupar com o longo prazo, pois a fatalidade é um destino inexorável e daqui até lá seria melhor viver o momento presente e entregar o destino nas mãos de Deus.
Evidentemente, não foi esta a pretensão do economista britânico, mas não me alongarei na análise de suas teorias econômicas. Não é disto que trata o presente artigo. Muito mais premente é tentar entender como nos relacionamos com problemas presentes e futuros.
E nada mais adequado para falar de problemas de curto, médio e longo prazos do que a unificação dos fundos, previdenciário e financeiro, do Rio Grande do Norte, cujo projeto de lei acaba de ser aprovado pela Assembleia Legislativa e não tardará por ser sancionado pela governadora, com grande probabilidade de já ter virado lei antes deste domingo de sol que o leitor tem a Tribuna do Norte em suas mãos – e se o sol não sair, não me culpe, a meteorologia é tão boa de previsão quanto a previdência pública.
De fato, o que era solução em 2005, a criação de dois fundos distintos para garantir que todos receberiam os benefícios previdenciários à medida do preenchimento dos requisitos individuais, com o previsto e programado déficit de um dos fundos e superávit do outro, passou a ser em 2014 objeto de cobiça, tábua de salvação para um problema gestado em outros mares. E, então, saca-se uma fórmula absolutamente oposta à adotada há 9 anos, hipotecando a garantia de pagamento futuro em nome de honrar dívidas do Estado no presente.
Com um agravante, sequer resolve a situação atual de maneira definitiva, apenas adiando o epicentro do terremoto para um período não superior a 2 anos, pois o superávit e o saldo de um será fatiado e desidratado mensalmente em R$ 70 milhões pelo déficit do outro, até que não haja mais gordura e volte-se a roer o osso.
Trata-se de uma contagem regressiva para estourar no colo de outro (ou outros)! Tudo isto para não tomar no presente o remédio amargo que renderia frutos no futuro – nos braços de outro, portanto.
Só há duas soluções definitivas para desequilíbrio fiscal que afete até mesmo o pagamento de despesas obrigatórias de caráter continuado, sobretudo folha de pagamento de servidores, vultosa e inexorável: 1) sistemático aumento de receitas ordinárias; e/ou 2) sistemático corte de gastos correntes, a começar por irregularidades e ineficiências destes gastos.
Mas isto requer planejamento, com medidas gradativas tomadas cirurgicamente. Assim, hipotecar o futuro dá menos trabalho, pois quando o problema se tornar muito maior e virar presente, dificilmente se terá a memória de quem deu causa anos antes.
Enquanto isto, já que o saldo de segurança poderá ir para as calendas gregas, resta-nos rezar para no nosso amanhã não prevalecer o mal-me-quer e, sobretudo, para a gestão fiscal de 2015 em diante não ser tomada como se não houvesse amanhã ou contando com a fatalidade do longo prazo keynesiano.

Fonte: Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público de Contas/ http://tribunadonorte.com.br/

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