Em seu discurso no Theatro Municipal, o papa Francisco defendeu o primado da política. Ele não disse, nem lhe era necessário dizer, que só a política assegura a sobrevivência da sociedade humana. Política, entendamos, significa a participação de todos, sob a liderança de homens capazes, na escolha de representantes para elaborar as leis e dirigir o Estado. O pontífice (e pontífice é aquele que projeta e edifica pontes) volta ao princípio basilar da ação política, que é a realização do bem-estar comum da sociedade nacional.
Desde que o homem criou a linguagem, e passou a conviver em grupos maiores, ele exerce os atos políticos, porque política é, ao mesmo tempo, a organização do convívio e a administração dos conflitos.
Os atos políticos estão inseridos na esfera do cotidiano. Eles são um esforço permanente, nunca concluso, para que a Humanidade não pereça. Não é por acaso que o Papa citou o profeta Amós e sua objurgatória contra os opressores. Ele, com o exemplo bíblico, mostra que Deus não aceita a injustiça, não compactua com a glorificação do lucro, obtido com a desalmada exploração do trabalho daqueles que alugam seus braços em troca de salários aviltantes. Ele poderia valer-se de inumeráveis advertências semelhantes, encontráveis em Isaias, na única epístola de Tiago e, praticadas, nos Atos dos Apóstolos.
Deus, em nossa visão temporal e amarrada ao silêncio da matéria, é a palavra que encontramos para identificar o Absoluto, onde se escondem as imperscrutáveis razões da vida. Só a Fé, que obedece à lógica, mas não à ciência, é que dispensa a filosofia pedestre, e dá ao homem a força da esperança.
Teólogos atentos encontraram, nos últimos escritos de Ratzinger, os sinais de debilidade diante das exigências de sua missão. Ele tenta esvaziar a mensagem política da vida de Cristo e nega a história de sua própria Igreja que, para o bem e para o mal, foi, e continua a ser, uma presença política.
Coube à Igreja, na Alta Idade Média, conservar a racionalidade greco-romana, nos territórios do Império invadidos pelos bárbaros, e aos muçulmanos manter o saber antigo em seus livros e nos grupos de sábios – os da famosa Escola de Bagdá.
Ora, essa evidência tão clara é negada pelo papa Bento 16. Em sua interpretação, não foram políticos pervertidos pela luxúria e pela simonia, por exemplo, homens como Rodrigo Bórgia, Giuliano della Rovere e Giovanni de Médici, que sob os nomes de Alexandre VI, Júlio II e Leão X, governaram a Igreja de 1492 a 1513: os anos mais escuros de toda a História do Papado.
Não há outra explicação: o discernimento do Cardeal Ratzinger não era o de um homem em pleno domínio da razão, e a sua escolha para ocupar o trono de Pedro pode ser vista como vitória política do Cardeal Bertone que, associado a Wojtyla, vinha dividindo com o polonês o governo da Igreja.
Há, mesmo na hierarquia brasileira, uma tentativa de reduzir a visita do Papa, de esvaziar a mensagem evangélica, que reclama dos jovens a responsabilidade da reabilitação da política. Embora cauteloso em alguns momentos, Bergoglio deixou muito claro o seu pensamento – ele se encontra ao lado de Leão XIII, de Pio XI e de João XXIII – e bem distante de Pio X, de Pio XII e de João Paulo II.
Fonte: Mauro Santayana - Jornal do Brasil/Correio do Brasil
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