Prefeitura pagou R$ 11,30 pelo quilo da coxa e sobre coxa, quase o triplo do preço do mercado. Ministério Público afirma que compra foi superfaturada.
Quanto vale um quilo de frango? Coxa e sobrecoxa, por exemplo, para a merenda escolar? Em uma grande cidade mineira, o preço pode variar muito. E o que custa cerca de R$ 4 nos mercados, saiu por mais de R$ 11 para os cofres públicos.
O Repórter Secreto foi até lá para saber: cadê o frango, ou melhor: cadê o dinheiro que tava aqui?
Nas praças de Uberlândia, Minas Gerais, o povo pode soltar o verbo à vontade. Mas um cidadão tem prerrogativa para reclamar em uma sessão oficial da câmara dos vereadores de Uberlândia. “Eu vou mostrar um produto aqui, não me enquadrem por falta de decoro: eu vou mostrar as coxas na tribuna da câmara aqui hoje”, diz o vereador Wilson Pinheiro, do PTN.
Ele chama de ladrão o prefeito Gilmar Machado, do PT, e a bancada que apoia o prefeito. “Vocês estão roubando! Quem defende ladrão, ladrão é! Vocês fazem parte dessa quadrilha. Se eu fico nervoso é porque eu não aguento ver tanto bandido reunido”, disse o vereador.
O vídeo foi parar na internet e o discurso de Wilson ficou conhecido em todo o Brasil. E contra o que ele protesta? Wilson afirma que a prefeitura desviou dinheiro público na compra de merenda escolar.
“A prefeitura comprou coxa e sobrecoxa, 25 mil quilos a R$ 11,30, 25 mil quilos de coxa. Arredondar: vocês estão pagando R$ 12 a coxa e sobrecoxa”, disse o vereador no plenário da Câmara.
E olha que, no calor do discurso, o vereador até se confundiu. Porque a investigação mostra que o buraco é mais embaixo. No contrato citado pelo vereador, o quilo sai a R$ 9,48. Um pouco mais barato, mas ainda acima do mercado.
Os R$ 11,30 por quilo são o valor cobrado em um contrato muito maior, de 101 toneladas de coxa e sobrecoxa. O vereador botou o frango na mesa. E soltou os cachorros. “Porque vocês estão roubando, muito. Algema. Ladrões”, afirmou o vereador.
O repórter Eduardo Faustini foi à casa do vereador. E Wilson Pinheiro mostrou anúncios de supermercado oferecendo o quilo de coxa e sobrecoxa a R$ 3,99. “Se você compra um quilo a R$ 3,90 e você vai comprar 100 mil quilos ou 120 mil quilos, é lógico que você compra abaixo de R$ 3”, afirma o vereador.
A compra dos frangos está documentada no site Transparência, da prefeitura de Uberlândia. No dia 24 de fevereiro, foi autorizado o gasto de R$ 219.480,96 com aqueles 23 mil quilos denunciados pelo vereador.
E, no dia 21 de maio, foi planejado o custo maior: R$ 1.147.379,40 para a compra das 101 toneladas. Total dos dois contratos: 1.366.860,36.
O Ministério Público confirma que a compra estava superfaturada. “Os indícios indicam efetivamente que está havendo um preço de avaliação do bem muito grande, fora do normal”, afirma o promotor de Justiça Luiz Henrique Borsari.
E anuncia que a investigação vai além de prefeito e vereadores. “Nós também estamos atrás de quem são os fornecedores”, afirma o promotor.
Não vai ser fácil. A empresa que vendeu as 23 toneladas a R$ 9,48 o quilo é a Boscatti Indústria e Comércio LTDA. Endereço: Rodovia 040, quilômetro 526, galpão 4.
A empresa que vendeu as 101 toneladas a R$ 11,30 é a BH Foods Comércio e Indústria LTDA. Endereço: Rodovia 040, quilômetro 526, galpão 5. Reparou? Só muda o galpão.
E até o telefone e os e-mails são os mesmos. Que coincidência. Você não viu nada. Aliás nem vai ver, porque no endereço não tem frigorífico, abatedouro, granja, não tem nada que lembre um frango. O Repórter Secreto ligou para lá.
Repórter Secreto: Eu preciso falar com a Boscatti Indústria e Comércio.
Atendente: Boscatti? Só um minuto, por favor.
A atendente voltou com a informação. “Nós não temos nada a ver com a Boscatti. Nós somos escritório de contabilidade deles”.
Resumindo: no endereço das fornecedoras não foi encontrado nenhum frigorífico. E o telefone e o e-mail fornecidos são de um escritório de contabilidade.
O repórter Eduardo Faustini tentou também falar com o prefeito de Uberlândia, que não quis gravar entrevista. A assessoria dele respondeu por e-mail, onde afirma que o frango ficou mais caro porque foi comprado sem pele e sem osso, o que corresponde ao filé da coxa e sobrecoxa.
A nota da assessoria diz também que, no valor da compra, está embutido o gasto com o transporte da carga: o contrato exige a entrega do produto a cada dez dias em cada um dos 163 pontos de entrega da rede municipal de ensino.
Mas o Ministério Público determinou que não se gaste mais nada com as empresas envolvidas e estuda pedir a devolução do que já foi gasto. “Inicialmente, o Ministério Público está recomendando a suspensão de todos os atos a serem executados com base nessa licitação. Para que, uma vez comprovado, por meio de documentos, o excesso no preço, nós adotemos novas medidas, inclusive judiciais para que o valor pago, se houve dano, seja ressarcido ao erário”, afirma o promotor.
Cadê o dinheiro que tava aqui, prefeito Gilmar Machado?
“Vai lá no supermercado do Marquinho ou do Zezinho ver quanto está coxa e sobrecoxa. E vocês pagando R$ 11,30. Vocês estão roubando dinheiro público. Por isso que as nossas crianças estão sofrendo. Fui claro? Quer que eu traduza, quer que eu desenhe? Um dia a algema chega em vocês, muito obrigado”, discursa o vereador Wilson Pinheiro.