Luciano Silva Costa Ramos, é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas. Baiano de nascimento, potiguar por adoção, o Procurador-Geral se define como soteropotiguar, tendo em vista que tornou-se cidadão potiguar em 02 de abril de 2014, quando recebeu o Título, por indicação da deputada Larissa Rosado. Luciano Ramos é Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e carrega consigo um vasto currículo. Eleito em 27 de setembro de 2012 para ocupar o cargo de Procurador-Geral, foi reeleito em 08 de outubro de 2014, pelo Conselho Superior do Ministério Público de Contas.
Torcedor do Bahia, apaixonado pelo tricolor da boa terra, Luciano Ramos deu uma entrevista singular para o Jornal Tribuna do Norte.
Abaixo, acompanhe todo o teor:
É comum a aprovação de contas “com ressalvas”, principalmente na análise da prestação de contas do governo estadual. Mas se há ressalvas, o órgão de fiscalização não deveria rejeitar e determinar punição e não apenas fazer ressalvas?
O controle externo atua na análise de dois tipos de contas: de governo (CF, art. 71, I) e de gestão (CF, art. 71, II). Por isso, a aprovação com ressalvas das contas de governo não significa que não ocorrerão correções e punições específicas quando da análise das contas de gestão, contratos administrativos específicos e Relatórios de Gestão Fiscal, por exemplo.
Assim ocorreu, recentemente, quando o relatório das contas de governo de 2012 e 2013 apontaram irregularidades como a inobservância do teto constitucional no Poder Executivo estadual e a exclusão indevida de despesas com pessoal dos limites impostos na LRF no âmbito do Poder Judiciário. Em posse do parecer prévio emitido, o Ministério Público de Contas ingressou com representações capazes de ensejar as devidas correções e responsabilizações. Nesta divisão, o fenômeno detectado da proliferação das aprovações com ressalvas restringe-se à análise das contas de governo – destacado inclusive pelo Ministro do Tribunal de Contas da União, Dr. Augusto Nardes. Nelas, os Tribunais de Contas analisam e emitem parecer prévio sobre as receitas e despesas globais – não há julgamento, mas, sim, parecer técnico a ser remetido ao Poder Legislativo, que tem a atribuição constitucional para este julgamento.
Mas, em face das consequências contundentes da rejeição de contas de governo, podendo chegar até mesmo à inelegibilidade do gestor ou seu impeachment, a meu ver, os Tribunais de Contas em todo o país têm sido excessivamente cautelosos em emitir parecer pela sua rejeição, reservando-a para hipóteses gravíssimas. Nesta linha, na qualidade de observador externo, percebo uma sutil evolução desta análise pelo Tribunal de Contas da União, diante da apreciação das contas de governo da Presidente Dilma.
Quanto ao Rio Grande do Norte, temos avançado nesta mesma toada do TCU, dentro da seara da consolidação democrática das Instituições destacada na primeira resposta. Viu-se esta mudança gradativa no julgamento das contas de governo do ex-Governador Iberê Ferreira, bem como nas contas de governo da ex-Governadora Rosalba Ciarlini.
Todavia, ainda será necessário resolver uma distorção histórica no que tange à análise das contas de governo, pois desde sempre se interpreta no âmbito do TCE/RN, em virtude da ausência de norma expressa em sua Lei Orgânica, que o Ministério Público de Contas não tem atribuição para atuar nestes processos, sendo o único caso entre os processos que tramitam no âmbito da Corte de Contas potiguar e que não ocorre em outros Tribunais. Com esta medida, certamente, aceleraríamos este processo de mudança já em curso e cada vez mais ansiado pela sociedade.
Recentemente, o Tribunal de Contas emitiu uma recomendação na qual aponta centenas de irregularidades nas folhas de pagamento de prefeituras e do Estado. O MP junto ao TCE participou dessa fiscalização? Que ilegalidades foram apontadas? Haverá responsabilização de gestores? As investigações continuam?
Embora este trabalho específico tenha sido inicialmente conduzido pela Diretoria de Despesas com Pessoal (DDP) do TCE/RN, em face de ser este o Corpo Técnico que primeiro tem contato com as informações de pessoal prestadas pelos gestores no sistema específico da Corte de Contas, após o trabalho de aprofundamento dos dados realizado pelos inspetores do TCE/RN, o desdobramento das investigações também será realizado pelo Ministério Público de Contas.
O foco inicialmente da investigação recaiu sobre dois pontos: I) o acúmulo indevido de cargos em diversos municípios do Rio Grande do Norte, com contundentes indícios de servidores fantasmas; II) bem como pessoas na folha de pagamento que não deveriam nela estar. Destarte, diversos gestores já foram notificados destas irregularidades.
Com a incorporação de mais esta ferramenta de investigação, haverá permanente cruzamento destes dados, além de as investigações serem aprofundadas quanto às irregularidades já detectadas, as quais poderão redundar em abertura de processos específicos para apuração de responsabilidade.
O Ministério Público Estadual também passa por fiscalização? O acompanhamento das despesas com pessoal do órgão e os gastos com custeio têm sido inspecionado?
O Ministério Público Estadual presta contas tal qual qualquer agente público ou privado que administre recursos públicos, conforme expressamente determina a Constituição Federal, art. 70, parágrafo único. E assim tem sido feito no estado do Rio Grande do Norte.
E a Assembleia Legislativa? Que tipo de acompanhamento é feito do uso dos recursos públicos pela AL?
O dispositivo constitucional citado na resposta anterior (art. 70, parágrafo único, CF) aplica-se igualmente às contas públicas geridas pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte. No momento atual, a atenção do TCE/RN e do MPC/RN volta-se para as despesas com pessoal oriundas do Poder Legislativo.
Essas irregularidades detectadas, entre 2006 e 2011, na investigação do MPE no pagamento de salários, com desvios e servidores fantasmas, não poderiam ser evitadas de forma preventiva?
O Ministério Público de Contas, tal qual o Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO/RN), entende que a devida aplicação da Lei de Acesso à Informação seria hábil a evitar situações que no momento o Ministério Público Estadual aponta como ocorridas na Assembleia Legislativa entre 2006 e 2011, atualmente ainda sob investigação. Para tanto, seria necessário que o Portal de Transparência da Assembleia Legislativa adotasse os mesmos mecanismos que garantem amplo acesso às despesas com pessoal decorrentes de todos os demais Poderes. No entanto, embora esta situação tenha sido objeto de ação judicial movida pelo MPRN, ainda está pendente de análise pelo Tribunal de Justiça de recurso que se contrapõe à ampla divulgação destes dados, sem os filtros atualmente postos para acesso a todos os cidadãos.
Por outro lado, o TCE/RN e o MPC/RN pretendem evitar novas situações como estas supostamente ocorridas entre 2006 e 2011 na ALRN com a adoção da mesma rotina recentemente aplicada aos municípios do Rio Grande do Norte.
Está em discussão uma série de medidas para combate à corrupção. O Ministério Público Federal apresentou algumas propostas. O que o senhor defende? Que mudanças na administração pública para prevenir a corrupção considera que deveriam ser adotadas?
Concordo e apoio as medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal, inclusive recentemente manifestei esta posição em reunião do Movimento Articulado de Combate à Corrupção, o qual, à unanimidade, firmou carta de apoio a estas medidas. Tivemos alguns avanços normativos no combate à corrupção, tais como a Lei de Lavagem de Dinheiro e a Lei Anticorrupção Empresarial. No entanto, destaco, entre as medidas, além da criminalização do enriquecimento ilícito e da devolução do lucro decorrente da corrupção, o agravamento das penas de acordo com a extensão e a gravidade da corrupção, de modo a inibir a sua atual proliferação, em face dos efeitos da prevenção geral.
E as mudanças na legislação? Acha que é preciso criminalizar o enriquecimento ilícito de agentes públicos? Alguma outra medida que defende para aumentar a punição?
Além das medidas destacadas na resposta anterior, é imprescindível a criminalização do enriquecimento ilícito, inclusive para que o Brasil respeite tratados internacionais por ele firmados. A criminalização do enriquecimento ilícito está para o crime de corrupção, assim como o crime de ocultação de cadáver está para o crime de homicídio. É preciso criminalizar condutas acessórias a estes crimes gravíssimos, com reflexos em toda a sociedade, para suplantar a impunidade atualmente existente, além de inibir eventuais pretensões de sua prática. Assim é que se deu com a previsão do crime de lavagem de dinheiro, o qual fechou ainda mais o cerco para detecção e punição deste tipo de crime incruento, mas que, muitas vezes, causa danos tão graves quanto ou maiores, em face do número de potenciais vítimas. Menos recursos públicos desviados significa serviços públicos mais qualificados e eficientes, em uma relação direta.
O Governo do Estado e outros poderes, como o Tribunal de Justiça, estão acima do limite prudencial da Lei de Responsabilidade Fiscal. Qual a implicação do Governo e o Judiciário ultrapassarem tais limites? Que medidas devem ser adotadas com relação a esse descumprimento da LRF?
Ultrapassar os limites de despesa com pessoal estabelecidos pela LRF implica em vedações para o Poder, notadamente no que tange ao aumento de despesas desta natureza. Além disso, ao ultrapassar o limite legal, o Poder é obrigado a cortar gastos para retornar a patamares abaixo deste limite. No que tange aos gestores, compete aos órgãos de controle apurar a responsabilidade de quem deu causa a estas situações, verificando se elas decorreram de algum ato irregular deles ou se são simplesmente reflexos da deterioração geral da economia que ora observamos.
A desapropriação de um terreno do Condomínio Luciano Barros, a partir de um processo que teve origem e por iniciativa da Presidência do TCE, provocou reações de proprietários e até da comunidade próxima. O senhor considera adequada, correta a desapropriação? Concorda com a desapropriação?
Não vejo irregularidade na desapropriação citada, a qual inclusive tomou o caminho natural da ação judicial cabível, onde o Poder Judiciário julgará a pertinência da necessidade pública motivadora do decreto expropriatório. Ademais, considero que a discussão deveria abordar um ponto até aqui adormecido nos debates sociais, que é a função social da propriedade privada e o fato de haver tantos terrenos não edificados por anos e décadas, na capital e em áreas nobres inclusive, sem que seja aplicado o art. 182 da Constituição Federal. O direito de propriedade, tal qual os demais previstos em nosso ordenamento jurídico, não pode ser tomado de maneira absoluta, como se os seus titulares pudessem dele dispor indiscriminadamente em detrimento da inexorável função social que a Constituição Federal lhes impõe cumprir (art. 5º, inciso XXIII da Constituição Federal).
Quais os parâmetros para uma desapropriação justa tendo esta do condomínio Luciano Barros como exemplo?
Desapropriação justa pressupõe necessidade pública, utilidade pública ou função social. Ademais, deverá ela, como regra, ensejar indenização prévia e em dinheiro. Conforme destacado na resposta anterior, não visualizo qualquer ofensa a estes requisitos na desapropriação citada.
O presidente do Tribunal de Justiça do RN, desembargador Cláudio Santos, nos concedeu (à TRIBUNA DO NORTE) recentemente uma entrevista na qual apontou que o Estado (Poder Estatal do país) não cabe mais na Economia brasileira e a sociedade não suporta aumentos da carga tributária. O senhor concorda com essa avaliação? Por quê?
Concordo plenamente com esta avaliação, pois observamos um inchaço da máquina pública, retirando cada dia mais recursos da sociedade na forma de tributos, sem que seja prestado um serviço de qualidade. Vivemos o paradoxo de faltar recursos para atividades essenciais, embora nunca se tenha arrecadado tanto, e de gerirmos mal os recursos disponíveis. Este fato inclusive foi delineado didaticamente em recente Auditoria do TCE na saúde, na qual se detectou gastos em três hospitais regionais próximos entre si, onde a equipe médica estava em um, os equipamentos em outro e os insumos necessários no terceiro, sem que qualquer deles fosse capaz de individualmente prestar integralmente a assistência à saúde necessária. Esta não é uma realidade que se limita ao Rio Grande do Norte, o que nos obriga a rediscutir o tamanho da máquina pública e os mecanismos de controle para a eficiente gestão dos recursos disponíveis.