“Não me deixe só, eu tenho medo do escuro. Eu tenho medo do inseguro, dos fantasmas da minha voz...
Não me deixe só, que eu saio na capoeira. Sou perigosa, sou macumbeira...”
(Não me deixe só, Vanessa da Mata)
Intriga-me a linha tênue entre o amor e o ódio, as paixões que se convertem em irrecuperáveis decepções e em guerras declaradas ou veladas. Na busca por compreendê-la, a leitura do livro “A Caixa Preta” - do israelense Amós Oz - teve fundamental importância.
Nele, o autor compara os escombros de um relacionamento falido a um acidente aéreo, e vai à busca da “caixa preta” reveladora dos fatos que ocasionaram esta fatalidade, mostrando a mudança de cor destas emoções ao longo do caminho.
Mas, na vida real, estas variações não se restringem às relações entre duas pessoas, também ocorrem entre o Estado e as empresas a ele vinculadas por contrato, em um casamento que deveria acabar ou se renovar de tempos em tempos.
Em teoria, pois em algumas áreas o enlace Estado-empresa privada parece ser eterno, até que a morte os separe, como é o caso das longas relações com empreiteiras.
Aí fica mais difícil deixar que cada um siga o seu rumo, sempre tocando fundo o eco do último pedido: “não me deixe só...”. Com todos os fantasmas reais e imaginários que possam vir à tona com o fim da relação.
Inegavelmente, a Petrobras e as empreiteiras envolvidas na operação lava jato estabeleceram uma relação sobre bases insustentáveis – independentemente da apuração em curso quanto às responsabilidades e se efetivamente crimes foram cometidos. Pois, este affair teve como frutos situações pouco transparentes e recheadas de suspeitas, inadmissíveis na Administração Pública.
Atingido este ponto, não há outra coisa a fazer, senão trazer à luz todas as informações deste convívio de longos anos, o que só pode ser feito por alguém que não tenha tomado parte nesta relação.
No nosso Ordenamento Jurídico, esta função compete essencialmente ao controle externo, exercido destacadamente pela Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e Tribunais de Contas. À evidência, o controle interno também tem o seu espaço, muito mais voltado para prevenir riscos e possibilitar a correção de irregularidades pela própria Administração.
E eis que, após anos sem efetiva apuração do que ocorria na Petrobras, presumivelmente por falta de conhecimento dos fatos, quando eles veem à superfície por atuação do controle externo e a caixa preta começa a ser aberta, o controle interno aparentemente se apressa para fazer leniência – no espírito da Lei Anticorrupção, Lei 12.846/13, ser menos rigoroso com quem colabora com a investigação.
Ou seja, a própria Administração Pública quer tentar salvar uma relação que já está falida e de quebra corre o risco de atrapalhar a revelação de alguns segredos de alcova, os quais hão de ser públicos quando falamos de dinheiro público.
Em boa hora, o Ministério Público de Contas atuante no TCU atravessou este novo cortejo entre os antigos amantes, com seu pedido cautelar contraposto a estes específicos acordos de leniência, pensados após a crise já estar em praça pública.
Sem dúvida, neste caso concreto, em que os fatos estão com investigações avançadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal - muitas já judicializadas inclusive -, com baixíssima possibilidade de serem trazidas provas novas e diminutas perspectivas de preservação do Erário, não só os objetivos da Lei Anticorrupção não serão alcançados por acordos de leniência firmados com o próprio Poder executivo; mas também, para a opinião pública, será eternamente questionável a imparcialidade daqueles que por tantos anos viveram felizes...
Quase para sempre! Mas que foi eterno enquanto durou, foi!
Fonte: Luciano Ramos é Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN/http://tribunadonorte.com.br/