A ministra Tereza Campello (Desenvolvimento Social) concedia uma entrevista à revista Teoria e Debate, editada pela Fundação Perseu Abramo, do PT. Discorria sobre as políticas de transferência de renda governo. A certa altura, a entrevistadora ensaiou uma pergunta: “Costumam lembrar que alguns desses programas vinham do governo Fernando Henrique…”
A ministra atalhou: “Na verdade, não tinha programa de transferência de renda nos governos do Fernando Henrique. Criaram o Bolsa Escola no final do governo, em 2001. O DNA dos programas de transferência de renda é multifacetado. Eles estiveram presentes nos governos de Marta Suplicy, Luiza Erundina, Cristovam Buarque, em várias prefeituras do PT e do PDT.”
Num instante em que o PSDB e seu novo presidente, Aécio Neves, martelam o discurso de que os programas sociais têm DNA tucano, Tereza Campello insinuou que, nessa matéria, Lula começou tudo praticamente do zero. “O que estamos fazendo hoje não seria possível fazer em 2003”, quando o PT chegou ao poder federal.
Tereza prosseguiu: “Havia em torno de 3,6 milhões de famílias que tivemos de recadastrar, reorganizar a base que recebia programas implantados no apagar das luzes. Incluímos milhões de famílias e demos um salto gigantesco, chegamos a 12,8 milhões de famílias recebendo Bolsa Família, ao longo do governo do presidente Lula. No governo da presidenta Dilma continuamos nessa trajetória, mas a inclusão massiva das pessoas já aconteceu…”
A entrevista com Tereza foi veiculada há quatro dias, na segunda-feira (27). Não faz uma mísera menção ao caso dos boatos sobre o Bolsa Família, que provocaram tumulto e quebra-quebra em 12 Estados. Nas pegadas da confusão, a ministra saiu em férias. Estava nos Estados Unidos quando a Caixa Econômica Federal foi pendurada nas manchetes de ponta-cabeça. Ela só volta ao trabalho na próxima segunda (3).
É contra esse pano de fundo envenenado que veio à luz a entrevista na qual Tereza Campello exercita seu antitucanismo primário escorada num pró-petismo inocente, que aceita todas as presunções do PT a seu próprio respeito. Em matéria de política social, isso inclui concordar com a tese segunda a qual as presidências de Lula e Dilma têm uma missão no mundo de inspiração divina.
Os dirigentes e gestores petistas já deveriam ter pulado esse corguinho. O mito da excepcionalidade moral não resiste a um rápido passeio pelos fatos. O Bolsa Família foi instituído pela lei 10.836, sancionada por Lula em janeiro de 2004. Lê-se no ‘parágrafo único’ do artigo 1º: O programa “tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do governo federal.”
Em seguida, o texto passa a empilhar as ações que seriam unificadas: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás… Coisas criadas sob FHC. A clientela desses programas seria reunida no ‘Cadastramento Único do Governo Federal’, instituído por decreto no ano de 2011, também sob FHC. Ou seja, falta à indústria da informação e do diversionismo do governo e do PT uma pitada de humildade.
O pior é que o petismo nem precisaria passar uma borracha em FHC para se vangloriar. Antes de Lula, as bolsas sociais eram enfeites de bolo. Depois do fiasco do Fome Zero, Lula levou-as a sério, convertendo-as no próprio bolo. Fez isso, suprema ironia, graças ao conselho de um tucano: o governador de Goiás, Marconi Perillo. Na cerimônia de lançamento do Bolsa Família, Lula fez questão de agradecer a Perillo a ideia de unificar num único programa as bolsas herdadas de FHC (repare no vídeo abaixo).
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=4vCeoPLLUn8Fonte: Josias de Souza