O presidente ainda não se deu conta. Mas a analogia portenha perdeu o prazo de validade. Hoje, Bolsonaro precisa comparar-se ao ídolo Donald Trump, não a Macri, um derrotado pré-pandemia. Cavalgando a mesma sensação de invulnerabilidade que acomete Bolsonaro, Trump deixou-se infectar pelo vírus do negacionismo. Graças ao comportamento patológico, ganhou uma internação hospitalar por Covid e perdeu o trono da Casa Branca para Joe Biden, um rival tão carismático quanto uma pedra de gelo.
A partir deste sábado, 2 de janeiro de 2021, Bolsonaro dispõe de 729 dias para colocar em pé uma candidatura à reeleição. Queimou a largada ao retardar a compra de seringas e vacinas contra a Covid-19. De resto, já não pode fazer a mesma pose da campanha de 2018, pois virou-se do avesso no primeiro biênio do mandato. Vendera-se ao eleitorado como um político antissistema, anticorrupção e pró-liberalismo econômico. Hoje, está acorrentado ao sistêmico centrão, chefia uma organização familiar com a imagem rachadinha e dá de ombros para a agenda de reformas liberais do seu ministro da Economia, Paulo Guedes.
Especialista na fabricação de crises, Bolsonaro descobriu aos solavancos que o Planalto é a morada dos extremos. É o céu e o inferno. O concreto e o abstrato. A força e a impotência. A Presidência é um jarro transparente. Muda de cor conforme o conteúdo que se lhe despeje. O jarro do capitão está pela metade. Em janeiro de 2019, quando assumiu, tinha uma coloração de novidade. Hoje, tem a tonalidade crepuscular do lusco-fusco.
Bolsonaro chegou ao Planalto com duas bolas na marca do pênalti da popularidade: a Lava Jato e a perspectiva de crescimento econômico. Fez vários gols. Todos contra. Na economia, entregou um pibinho de 1,4% no primeiro ano de governo, quando ainda não havia coronavírus. Na política, verificou-se que sua cruzada anticorrupção era de vidro, e se quebrou com o desembarque de Sergio Moro do Ministério da Justiça.
Hoje, Bolsonaro mantém uma improdutiva parceria com o centrão. Há mais "toma lá" do que "dá cá". A distribuição de cargos assegurou uma momentânea blindagem no Legislativo, mas não impulsionou a agenda de reformas liberais no Congresso.
O tapete do governo tornou-se pequeno. O chorume que escorre pelas bordas inclui um ex-vice líder com dinheiro na cueca, dois filhos acusados de rachadinha (pode me chamar de peculato), um operador de rachadinhas em prisão domiciliar, dois líderes no Congresso investigados por corrupção, a companhia de uma primeira-dama com uma interrogação de R$ 89 mil na conta bancária, e o apoio a um réu na disputa pela presidência da Câmara.
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Fonte: Josias de Souza
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