O jovem eleitor brasileiro, que todos supunham alienado, chegou às ruas em boa hora. Ao levar sua insatisfação para passear rente ao meio-fio, produziu o mais extraordinário fenômeno da atual temporada: a ‘desantecipação’ da sucessão presidencial. O país encontrava-se aprisionado no seu futuro. Um futuro radioso, no qual Dilma Rousseff estava reeleita e asseguraria mais quatro anos de felicidade para o Brasil. No asfalto, a nação se reencontrou com seu presente. Um presente repleto de mazelas.
Ao medir o tamanho da novidade, o Datafolha verificou que foram dissolvidas praticamente todas as certezas. Sobrou uma: o (a) presidente da República a ser reeleito (a) em outubro de 2014 terá de descer ao nível da rua, explicando tintim por tintim o que planeja fazer. Restabeleceu-se a normalidade. Antes tratada como estorvo para um governo definitivo, a democracia voltou a funcionar como corretivo para a falibilidade humana.
Destituída da sua condição de presidenta superpoderosa, Dilma reteve 30% dos 51% de intenções de voto que colecionava no início de junho. As ruas lhe tomaram impressionantes 21 pontos percentuais. Coisa suficiente para desnortear qualquer um –de um João Ninguém até um João Santana.
Principal beneficiária do “efeito-rua”, Marina Silva pulou de 16% para 23%. Aécio Neves, que foi de 14% para 17%; e Eduardo Campos, que oscilou de 6% para 7%, não usufruíram dos protestos. Um pedaço do asfalto preferiu refugiar-se no muro a dar-lhes cartaz. Na primeira semana de junho, os eleitores que diziam preferir o voto branco e nulo ou que afirmavam não ter candidato somavam 12%. Hoje, esse nicho dos sem-candidato responde por 24% do total. É como se desafiassem: convençam-me, se puderem.
Deve-se a Lula, a antecipação da campanha que as ruas acabam de ‘desantecipar’. Ele relançara Dilma em 20 de fevereiro, em São Paulo, num seminário festivo do PT –o primeiro de uma série programada para celebrar os dez anos do partido no poder. Respondendo a um discurso que Aécio fizera no plenário do Senado, Lula dissera: “Eles podem se preparar, podem juntar quem eles quiserem, porque se eles têm dúvidas, nós vamos dar como resposta a eles a reeleição da Dilma em 2014.” As ruas gritaram para Lula: “Devagar com o andor, que sua Santa é de barro!”
Na sua vez de discursar no evento petista, Dilma fizera questão de pisar no calo do tucanato: “Nós não herdamos nada, nós construímos.” E as ruas: “Construíram o quê, cara pálida?” Cinco dias depois, num seminário realizado em Belo Horizonte pelo PSDB mineiro, Fernando Henrique chamaria Dilma de “ingrata”. Ela “cospe no prato que comeu”. E o asfalto: “é hora de servir refeição nova.” Na semana seguinte, o presidente do PT, Rui Falcão, voltaria à carga: “O que posso dizer é: deixem a Dilma trabalhar, dialogar com o Congresso e a sociedade.” E o meio-fio: “Heimmmmm?!?!?”
De repente, a garotada impulsionou a conversão de todo esse lero-lero em pó. Rompeu-se o fato consumado da candidata imbatível, a monotonia da oposição sem propostas, o enfado da polarização automática. Foi como se a turba tivesse se dado conta de que o futuro, espaço impreciso, não pode ser cobrado ou conferido. O presente, sim, podia ser apalpado. Ficou entendido que uma sucessão presidencial não é mera formalidade eleitoral. Quem quiser a poltrona terá de guerrear por ela. Alvíssaras!
Fonte: Josias de Souza
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