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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

ARÁBIA SAUDITA CONDENA ATIVISTA DOS DIREITOS DAS MULHERES A QUASE SEIS ANOS DE PRISÃO

Loujain al-Hathloul foi julgada em um tribunal especializado em casos de terrorismo e acusada de pretender mudar o sistema de governo da monarquia; como poderá cumprir metade da pena em liberdade condicional, ela poderá ser solta em fevereiro.

DUBAI — Uma das mais conhecidas ativistas sauditas pelos direitos das mulheres foi condenada a cinco anos e oito meses de prisão nesta segunda-feira por um tribunal especializado em casos de terrorismo. Loujain al-Hathloul, de 31 anos, foi considerada culpada de "incitar a mudança no sistema de governo do reino, prejudicando-o e buscando atender a interesses de nações estrangeiras", segundo a imprensa saudita.

Al-Hathloul foi detida em março de 2018 nos Emirados Árabes Unidos, onde estudava, e levada à força para Riad, onde foi posta em uma prisão em maio, em um caso que atraiu atenção mundial. Especialistas em direitos humanos da ONU classificaram as acusações como "espúrias" e, junto com grupos de direitos humanos e parlamentares nos Estados Unidos e na Europa, pediram a libertação da ativista. "Deve ser libertada imediatamente. Defender os direitos humanos não é terrorismo", tuitou a relatora da ONU para os defensores de direitos humanos, Mary Lawlor.

Ao anunciar a sentença, o tribunal determinou que metade da pena seja cumprida em liberdade por causa das condições da ré, uma aparente referência ao seu estado de saúde debilitado. Descontado o período que ela já passou na prisão, isso significa que al-Hathloul poderá obter a liberdade condicional em março de 2021.

Sua família diz que al-Hathloul foi submetida a tortura, com choques elétricos, afogamento, açoites e violência sexual. As autoridades sauditas negaram as acusações. A família dela já afirmou que a ativista recebeu uma proposta para ser libertada da prisão em troca de um depoimento em vídeo no qual negasse ter sofrido tortura sob custódia, o que ela teria rejeitado.

O caso da ativista pode se tornar mais um ponto de tensão entre a monarquia do Golfo Pérsico e o governo do presidente eleito dos EUA, Joe Biden, que disse que irá tratar a Arábia Saudita como um "pária" nas questões de direitos humanos. O governante de fato do reino, o príncipe Mohammad bin Salman, teve uma relação próxima com o governo de Donald Trump e especialmente com o genro do republicano, Jared Kushner, responsável por sua política para o Oriente Médio.

Desde que em 2017 foi indicado como herdeiro do pai, o rei Salman bin Abdulaziz al-Saud, de 84 anos, Bin Salman, de 35 anos, prometeu reformas liberalizantes, mas tem sido criticado por perseguir rivais, pela intervenção sangrenta na guerra civil do vizinho Iêmen e pela repressão aos opositores, sendo o caso mais notório o assassinato do jornalista exilado Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, em outubro de 2018.

Loujain al-Hathloul ficou conhecida em 2013, quando começou a fazer campanha publicamente pelo direito das mulheres de dirigir na Arábia Saudita. Em dezembro do ano seguinte, ela foi presa enquanto dirigia para os Emirados Árabes Unidos, e passou 73 dias na prisão por reivindicar o direito das mulheres de dirigir.

Em 2016, ela foi uma das signatárias de uma petição ao rei Salman pedindo o fim do sistema de tutela masculina pelo qual as mulheres sauditas têm que obter a permissão dos pais ou maridos para trabalhar, viajar para o exterior ou casar. Em 2018, ela participou de uma reunião pública do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres da ONU, em Genebra.

Em 2018, sua prisão ocorreu junto com as de outras 11 ativistas. O julgamento delas começou em março do ano passado em meio a uma campanha de difamação na mídia estatal acusando-as de "traidoras" e "agentes das embaixadas", o que alarmou diplomatas estrangeiros credenciados em Riad. Desde então, as sessões, a última em março passado, foram anunciadas de última hora e realizadas a portas fechadas.

Em outubro deste ano, a ativista fez uma greve de fome — a segunda em 2020 — para protestar contra as condições de sua detenção. Sua família afirmou que ela foi forçada a parar a greve de fome após duas semanas porque os guardas a acordavam a cada duas horas.

Em 25 de novembro, a família da ativista anunciou que seu caso havia sido transferido de um tribunal criminal de Riad para um tribunal encarregado de casos de terrorismo. O tribunal especializado foi criado em 2008 e, desde então, tem sido utilizado para julgar presos políticos, segundo organizações de direitos humanos.

À época, quando o caso foi transferido, Lina, irmã da ativista, disse em um tuíte logo após a audiência que "Loujain parecia fraca no tribunal, tinha convulsões contínuas e sua voz estava fraca e trêmula". No início daquele mês, a ONU afirmou que a deterioração de sua saúde era "muito alarmante" e pediu sua libertação "imediata".

Segundo o ministro saudita das Relações Exteriores, Faysal bin Farhan al-Saud, al-Hathlou é acusada de ter mantido contato com Estados "hostis" ao reino e de ter repassado informações confidenciais. No entanto, a família da ativista afirma que o governo não forneceu nenhuma evidência tangível que apoie essas acusações.

Detida dias antes de a Arábia Saudita enfim permitir que as mulheres dirijam, al-Hathlou se tornou um símbolo das contradições do país de Mohammed bin Salman, que vem detendo clérigos, empresários, intelectuais e ativistas.

A repressão criou uma nova geração de dissidentes sauditas e estimulou o aumento da defesa dos ativistas no exterior — incluindo os irmãos de al-Hathloul —, causando constrangimento ao reino. Vários sauditas no exílio contrataram lobistas ou advogados americanos para chamar atenção para seus casos no período que antecedeu as eleições nos EUA.

A sentença de al-Hathloul  veio quase três semanas após um tribunal de Riad determinar a prisão do médico saudita-americano Walid al-Fitaihi por seis anos, apesar da pressão dos EUA por sua libertação.

Diplomatas estrangeiros disseram que os dois julgamentos, de al-Hathloul e de al-Fitaihi, têm o objetivo de enviar uma mensagem ao país e ao exterior de que a Arábia Saudita não cederá à pressão nas questões de direitos humanos.

Segundo um diplomata, Riad também pode usar as sentenças para influenciar futuras negociações com o governo de Biden.

Fonte: O Globo e agências internacionais

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