Não é culpado pela posse do tal tríplex. Falta prova técnica, cabal e incontestável. Para condenar, não basta ter convicção. Só depoimento de Léo Pinheiro não serve.
"As sombras macilentas da fome das Vidas Secas marcharam, trôpegas, com seus esqualidos esqueletos os sertões rumo ao martírio lento e pestilento da miséria absoluta", escreve Mario Rosa |
Para que existem colunistas e colunas? Para serem gigolôs de seu tempo e apenas tirar proveito das paixões em voga e reinjetá-las como uma adrenalina na carótida das massas? Somos apenas espelhos que tão-somente refletem e amplificam o que o senso comum enxerga, mesmo quando cego pelos clamores ou pela insensatez que existe em todas as eras? Ou é nosso papel vocalizar uma voz própria, mesmo que errada, mesmo que dissonante, para adicionar um tom (mesmo que solitário) ao coro de cada época? Faço essas indagações diante da grande questão dos nossos dias: o cárcere de Luiz Inácio Lula da Silva. Todos têm o direito de pensar como quiserem. Inclusive eu. Mas acho que, como colunista, não posso me abster de falar sobre isso. Prefiro o erro de uma fala desconfortável que me condene a um silêncio cômodo que me absolva.
A escravidão perdurou por séculos e, por décadas no segundo Império, a luta contra essa perversidade pareceu um brado tolo dos insensatos perante o pragmatismo pedante da Casa Grande. Os murmúrios tímidos e medrosos controlavam os arfares nas madrugadas de um regime militar que parecia inabalável, interminável, imperturbável, após 1964. Filinto Müller mandava e desmandava em sua polícia no Estado Novo e, com seu poder de intocável, despachava Olga Benário para a morte nos campos de concentração do Nazismo. As sombras macilentas da fome das Vidas Secas marcharam, trôpegas, com seus esqualidos esqueletos os sertões rumo ao martírio lento e pestilento da miséria absoluta. Os despojos de Tiradentes cruzaram a Vila Rica e seus pedaços foram festejados como troféu de uma vitória que parecia e ainda seria por muito e muito quase que para sempre.
A essa altura de nosso tempo, testemunha que sou dele, não tenho a ilusão de considerar Lula um inocente. Não, inocente jamais. Como político mais prodigioso de sua geração, e dando aqui meu modesto testemunho dos meandros da História como a conheci, claro que Lula sabia de tudo. Claro que comandava todas as maquinações de poder de sua presidência. Claro que consentia e endossava todas as decisões de poder que tinham, necessariamente, consequências econômicas e financeiras. Claro que sabia onde ia parar cada centavo de cada transação envolvendo os dinheiros sobre os quais o poder tinha voz, chamem a isso o que quiserem, caixa dois, dinheiro de campanha, corrupção. Claro que Lula era o regente da grande orquestração quando era dele a batuta.
Agora, mais claro ainda do que nunca, fica aos olhos de todos, aos olhos da Historia, aos olhos de nosso tempo, que Lula não é culpado. Não é culpado pela posse atribuída a ele do tal triplex do Guarujá. Não é culpado de ter recebido o triplex que não recebeu – não há prova técnica insofismável – de ter-se deixado corromper por dinheiros da Petrobras. Está provado que não há provas contra Lula em nada disso. Prova técnica, cabal, incontestável. E goste-se ou não de Lula, goste-se ou não do PT, a verdade é que isso não tem nada a ver nem com Lula nem seu partido. Tem a ver com o nosso tempo, com a sociedade em que vivemos, com as barbáries que toleramos. E essa, sem dúvida, é uma delas. É uma daquelas vergonhas que, no futuro, alguns irão de se perguntar: como tantos ficaram calados e simplesmente aceitaram tal descalabro? Pois é exatamente isso que me vem à mente quando penso em algumas vergonhas de nossa história.
Como tantos puderam se calar diante da escravidão execrável e, ainda mais, talvez encontrar argumentos nobres para isso? Como a alienação coletiva conseguiu perdurar bem depois dos aplausos ao esforço moralizador e estabilizador do regime militar, bem depois de seu milagre econômico auspicioso, como conseguiu persistir mesmo depois de se afogar no pântano dos porões e ainda sobreviver até quase três décadas? Como os capangas de Vargas conseguiam dormir? Por que demoramos tanto tempo para que as chacinas de Graciliano Ramos deixassem de acontecer apenas concebendo uma política pública nada revolucionária, uma rede de proteção social? Como seria ver um braço ou a cabeça do Alferes? Eu tenho medo de mim: tenho medo de que, como a grande maioria, vibrasse junto com os vencedores. E não com o massacrado.
E é essa sensação que me invade agora: até quando vamos ficar brincando com a vida de Luiz Inácio Lula da Silva? Ele é mortal, como todos nós. E vamos ficar aqui brincando de deuses, nos distraindo nas redes sociais, no colunismo político, nos palanques, no noticiário, enquanto uma vida se esvai? Aos fatos:
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