O que deveria ser apenas uma decisão técnica virou uma crise em que o governo tentou impedir a exigência do documento nos aeroportos e jogou a favor da morte. Mas o STF frustra os planos de Bolsonaro
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma lição para o presidente Jair Bolsonaro, cujo governo tenta, de todas as formas, sabotar medidas de contenção do coronavírus e de controle da pandemia. Na disputa entre os poderes foi uma surra de chicote. Na quarta-feira, 15, a fatura já estava liquidada por 5 votos a 0 no tribunal, que analisou uma decisão do relator Luís Roberto Barroso tomada cinco dias antes, quando foi estabelecida a exigência de passaportes vacinais de estrangeiros que chegam nos aeroportos e cruzam as fronteiras do País e de nacionais que retornam do exterior. Antes de mais nada, é uma questão estratégica de combate ao coronavírus.
O Brasil avança na vacinação em bom ritmo, imunizando sua população e precisa se proteger de novas variantes como a Ômicron e de um eventual recrudescimento da doença. Além disso, é uma questão de equilíbrio e reciprocidade, já que outros países têm a mesma preocupação e exigem os mesmos documentos dos viajantes brasileiros. O que o STF conseguiu evitar com sua decisão oportuna foi que o País se transformasse no paraíso dos infectados.
Como vem acontecendo regularmente, o governo fez o que pode para impedir a obrigatoriedade do documento e relaxar no controle da doença para matar mais brasileiros. Seu objetivo era estabelecer apenas uma quarentena de cinco dias e liberar geral. De dez dias para cá, Bolsonaro ficou transtornado com a possibilidade do passaporte se tornar obrigatório nos aeroportos, criticou opositores que defendem a medida e estimulou que seus seguidores resistissem à iniciativa, incentivando a incerteza e a divisão na sociedade. Antes da decisão do pleno do STF, a Advocacia Geral da União (AGU) chegou a questionar o ato de Barroso para fazer valer a vontade do presidente.
Em uma completa inversão de valores, Bolsonaro e seus ministros da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Justiça, Anderson Torres, enfatizaram que a obrigatoriedade da apresentação dos comprovantes de vacinação é um atentado à liberdade individual, argumento usado por negacionistas, ou que não passa de uma inutilidade, dizendo que a vacina não comprova nada. Contrariando orientação da Anvisa e de seu presidente, o médico Antonio Barra Torres, o governo deu nova demonstração de que não se preocupa com a saúde dos brasileiros e despreza a ciência.
Houve também um enfrentamento direto com o governador paulista João Doria, que esteve no STF na tarde de quarta-feira, conversando com os ministros para defender, justamente, a exigência do passaporte. Doria pretendia estabelecer a obrigatoriedade do documento no estado mesmo sem o aval federal. Referindo-se ao governador paulista, Bolsonaro, irritado, criticou essa intenção. “O outro governador do Sudeste quer fazer o contrário, e ameaça: ‘Ninguém vai entrar no meu estado’. Seu estado é o cacete, porra”, afirmou.
O surgimento da variante Ômicron, mais transmissível e menos letal que suas antecessoras, marca a quarta onda da pandemia em vários países e impõe novas medidas restritivas. A eficácia vacinal contra a variante vem sendo testada por laboratórios como Pfizer e AstraZeneca. As conclusões preliminares são que a segunda dose diminui consideravelmente a severidade do caso e a terceira garante um alto índice de proteção. Pela decisão do STF, quem viajou antes de terça-feira, 14, e não tiver comprovante de vacinação, poderá apresentar o teste RT-PCR negativo e cumprir uma quarentena de cinco dias. Ao final dela, será feito um novo teste.
Desde o início da pandemia, o tribunal vem trazendo racionalidade para o combate à doença, contrariando as posições anticiência e diversionista do governo. Foi o STF que garantiu autonomia para estados e municípios agirem contra a pandemia e permitiu o cumprimento das medidas de isolamento. Também atuou firme para cobrar o início da vacinação e estabelecer os grupos prioritários. Agora, com o passaporte, acertou em cheio de novo.
Fonte: IstoÉ
Foto: Zanone Fraissat
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