Apoio dos tribunais, hoje escasso, era considerado uma das causas do sucesso da operação
Pouco antes de o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir, em março de 2019, que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro devem ser processados pela Justiça Eleitoral quando investigados com caixa dois, a então procuradora-geral da República minimizou os prováveis efeitos do julgamento na Operação Lava Jato.
"Eu não vejo esse risco [de anulação dos processos] neste momento, mas é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e não perder o foco. Manteremos o foco contra a corrupção e contra a impunidade no país", afirmou Raquel Dodge a jornalistas.
Dois anos depois, a avaliação de Dodge não vingou. Processos da Lava Jato relacionados à Justiça Eleitoral passaram a ser anulados em série pelos tribunais, com base no entendimento que venceu por 6 a 5 entre os ministros do Supremo.
Só neste mês, dois casos de grande repercussão foram revistos em tribunais por esse motivo, relacionados a desdobramentos da operação.
O processo que condenou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) à sua maior pena, de 24 anos e dez meses de prisão, foi anulado na terça (7) pelo TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), no Distrito Federal, e os autos enviados à Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte.
A ação era referente à Operação Sépsis, que investigou suspeitas de desvios e pagamentos de propina na Caixa Econômica Federal.
No início do mês, o ministro Jesuíno Rissato, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), anulou condenações impostas no âmbito da Operação Lava Jato ao ex-ministro Antonio Palocci, ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e outras 11 pessoas.
Rissato entendeu que as acusações atribuídas a eles diziam respeito a crime eleitoral e que a Justiça Federal em Curitiba não tinha a prerrogativa para analisá-las.
Essas decisões se juntam a anulações de ações criminais da Lava Jato por outros motivos, como o territorial —se um processo deveria ser julgado no Paraná ou em São Paulo, por exemplo— ou de vara —se um determinado juiz deveria ser o responsável pelo processo.
Outra revisão de decisões de instâncias inferiores nesta semana foi a anulação de sentença do juiz Marcelo Bretas, do Rio, contra o ex-governador Sérgio Cabral por desvios na área da saúde, em ação que tinha sido aberta em 2017.
Nesse caso, a justificativa para a medida foi parecida com a que provocou a fuga de dezenas de casos de Curitiba nos últimos anos.
Para os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Kássio Nunes Marques, não há conexão entre a investigação na saúde e o processo relacionado a desvios na Secretaria de Obras fluminense, que marcou o início da atuação de Bretas relacionada a Cabral. Logo, o caso da saúde deveria ser redistribuído a outro juiz.
No Paraná, discussão desse teor sobre o grau de conexão dos processos com desvios na Petrobras —foco principal da investigação de Curitiba— levou diferentes tribunais a retirar ações penais do estado e enviá-las a outros partes do Brasil, como Distrito Federal e São Paulo.
As duas sentenças expedidas contra o ex-presidente Lula foram anuladas por esse motivo inicialmente —falta de conexão direta com a estatal petrolífera. Antes, já tinham sido beneficiados ex-ministros, empresários e o operador Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, conhecido pela atuação junto ao PSDB.
O julgamento que referendou a Justiça Eleitoral como responsável por ações criminais que incluem caixa dois e os questionamentos sobre a competência territorial de juízes da Lava Jato coincidiu com o período de decadência da operação.
O apoio dos tribunais era considerado um dos pilares que sustentaram as investigações da Lava Jato, além das forças-tarefas, da ampla divulgação e do instituto da delação premiada.
Quase todos esses pilares foram derrubados. As forças-tarefas foram encerradas sob a gestão Augusto Aras no Ministério Público Federal. Já a Polícia Federal passa por acusações internas de interferência política após a eleição de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência.
As derrotas "a conta-gotas" da Lava Jato também são reflexos da forma como o Supremo decide.
Julgamentos de grande repercussão da corte, como o da Justiça Eleitoral, criaram precedente a ser enquadrado no modelo "caso a caso", e não de maneira conjunta, que poderia derrubar simultaneamente dezenas de processos.
À medida que os tribunais superiores vão apreciando os recursos com base naquele entendimento fixado anos atrás, outras decisões vão sendo desfeitas.
Fonte: Folha de SP
Foto: Divulgação
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