Análise da Fundação Jose Luiz Egydio Setubal (FJLES) e do Instituto Galo da Manhã também apontou que 46% dos entrevistados concordan com o trabalho infantil para 'ocupar o tempo ocioso'
Uma nova pesquisa de opiniões e percepções da população brasileira sobre a criação dos filhos revelou avanços na educação sobre a igualdade de gêneros e no repúdio aos maus-tratos, mas também explicitou contradições. Apesar de a maioria dos entrevistados — 71,8% — acreditar que a educação infantil deve ser feita a partir do diálogo, as pessoas se posicionaram a favor da restrição de liberdades e do uso da violência em certos contextos, como em uma possível solução para o jovem "não virar bandido" (62%). Uma parte significativa dos entrevistados (46%) também concordou com o trabalho infantil, principalmente como forma de "ocupar o tempo ocioso".
A pesquisa foi uma iniciativa da Fundação Jose Luiz Egydio Setubal (FJLES) e do Instituto Galo da Manhã, que atuam em iniciativas sociais voltadas à infância e populações vulneráveis, e realizada pelo Instituto Ipsos em 134 municípios, ao longo do mês de novembro. Dividido em três eixos principais, o trabalho avaliou a percepção dos brasileiros em relação ao período da infância, que seria até os 14 anos, segundo opinião dos entrevistados; a opinião sobre maus-tratos; e os desafios e conhecimento sobre serviços de apoio e denúncia.
Os pesquisadores destacam resultados positivos e negativos. Entre as ditas surpresas agradáveis, está o aumento da ideia de igualdade de gênero na criação das crianças, já que 72,9% dos entrevistados responderam que meninos e meninas devem ser criados da mesma forma. A porcentagem foi semelhante ao índice de concordância com a criação na base do diálogo (71,8%).
Essa visão de mundo, porém, se choca com valores mais tradicionais ainda arraigados na população, como o apreço pela disciplina, hierarquia e a aceitação de punições físicas em contextos específicos. Enquanto 81,6% dos entrevistados afirmaram que a criança deve sempre obedecer os mais velhos, sem questionamentos, 62,5% concordaram com a frase " é melhor bater hoje do que o filho virar um bandido".
— Há um sentimento dúbio, a população reconhece a importância do diálogo, mas também a violência — afirmou Marcos Paulo de Lucca-Silveira, professor de economia da FGV-SP e pesquisador da FJLES, que, junto a um comitê de especialistas em violência, analisou os resultados. — Existe uma tensão entre aceitar o diálogo como a melhor forma de educação, e do outro lado a concepção tradicional, que defende manutenção forte da hierarquia, disciplina e obediência. Nas perguntas específicas, essa visão mais tradicional retorna.
Entre as variáveis socioeconômicas dos entrevistados, Silveira explica que os fatores de maiores influências foram o nível de educação e a reprodução da educação recebida na sua própria infância. Assim, pessoas com ensino superior e que responderam antes terem recebido criação baseada no diálogo foram os nichos que mais repudiaram o uso da violência. Já a idade e a origem geográfica, por outro lado, não exerceram muito impacto nos resultados.
— As pessoas reproduzem a educação que receberam. Talvez seja um sinal de esperança. Pode ser que, a médio prazo, tenhamos redução do reconhecimento de violência — disse Silveira.
Para os especialistas, a aceitação de maus-tratos em alguns contextos reproduz um sentimento de banalização da violência. "As respostas sugerem que a população reconhece que práticas de maus-tratos e violências (psicológicas e físicas) estão presentes nas formas de educar da sociedade brasileira contemporânea. Mas, quando as pessoas são interrogadas sobre a aceitação de tais práticas e, especialmente, se as realizam, os números caem significativamente. Essas variações entre percepção de ocorrência, concordância e prática têm semelhanças com as encontradas em pesquisas de opinião famosas sobre racismo no Brasil: a maior parte dos brasileiros reconhecia a existência de racismo no país, mas não se considerava racista", diz um trecho da pesquisa.
Fonte: O Globo
Foto: Deivid Correia
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