Do ponto de vista dos costumes, os 73 mil moradores de Lins, no interior de São Paulo, vivem uma situação peculiar. A cidade, famosa por suas 170 igrejas evangélicas, é uma das bases eleitorais do pastor deputado Marco Feliciano, que dirige desde 7 de março a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal. Feliciano tornou-se alvo de protestos nacionais por suas declarações agressivas contra homossexuais e por repetir citações bíblicas ofensivas à população negra. O mesmo município que apoia Feliciano e fez dele o sexto deputado mais votado da cidade em 2010 elegeu, em outubro passado, o primeiro prefeito assumidamente gay do Brasil. Edgar de Souza, de 34 anos, vive com o empresário Alex Trindade desde 2004. Juntos, eles criam dois filhos adotivos, de 1 e 3 anos. As famílias de ambos vivem na cidade e apoiam o casal. Trindade tem uma participação discreta na vida pública do parceiro.
A eleição de Souza começou complicada. Um grupo adversário distribuiu panfletos apócrifos “denunciando” a relação homossexual do candidato e se referindo a ele como Satanás. Os ataques tiveram o efeito de estimular a campanha de Souza. Simpáticos a seu passado político – ele cumpriu três mandatos de vereador na cidade –, os eleitores reagiram ao tom acusatório dos panfletos, e a campanha cresceu. Sua opção sexual não era material de propaganda, mas tampouco era segredo para ninguém. No final, Souza venceu com folga de 10 mil votos. A Justiça ainda investiga a autoria das agressões homofóbicas e religiosas contra ele. Mas elas não tiveram nenhum efeito. No final da campanha, até mesmo pastores pentecostais pediram votos para Souza nas ruas e nos templos. “Não o apoiei por sua opção sexual. Entrei na campanha porque era o melhor candidato da cidade”, afirma o pastor Adildo de Souza César Filho, da Igreja Missionária Jerusalém Avivamento. Ele diz que ainda não perdeu a esperança de mudar a orientação sexual do prefeito. “Jesus veio para ajudar os que têm problemas.”
Não fosse pela homossexualidade, Souza seria como qualquer outro prefeito do interior. Religioso, sua atividade política e social começou na Igreja Católica. Ele formou-se em teologia, com especialização em Teologia da Libertação. Depois mergulhou na vida partidária. Elegeu-se deputado pelo PT e pelo PSB, antes de virar tucano. Foi eleito prefeito pelo PSDB, dosando ideias progressistas com uma agenda liberal. Depois de 21 anos de atividade política e cristã, define-se como social-democrata. No plano pessoal, afirma quer viver “como uma pessoa comum”, com alegria, sem deixar de brigar pelos direitos das minorias. Ele também está profundamente irritado com seu conterrâneo político Marco Feliciano. “Ele faz declarações que me agridem, ofendem minha visão de mundo e levantam contra mim suspeitas de pedofilia”, disse Souza a ÉPOCA. “Crio duas crianças, minha formação familiar é sólida. Fico triste por ele se organizar para tirar os direitos dos outros. É uma bobagem e uma pobreza de espírito.”
Lins completou 93 anos neste domingo, com uma festa heterogênea. Houve cultos evangélicos, show gospel e um evento com o conselho de pastores da cidade. Eles parecem conviver sem problemas com Souza e sua família atípica. O show de música do movimento negro foi no sábado. Celebrou-se no domingo uma missa na catedral católica de Santo Antônio. Não houve um evento específico para a comunidade gay. Souza diz que essa questão está presente em todos os seus discursos, sem que os pastores se incomodem. “A religião tem nuances, e cada pastor tem suas convicções pessoais”, diz ele. “Isso permite que eles me respeitem como gay e como homem público.” E Feliciano? “A cidade está sempre aberta e ele será sempre bem-vindo, enquanto pessoa. Mas seus ataques serão repudiados por mim.”
Fonte: Vinicius Gorczeski/Época
Foto: Filipe Redondo/Época (foto 1 e 2) e Tarso Sarraf/Folhapress (foto 3)
Foto: Filipe Redondo/Época (foto 1 e 2) e Tarso Sarraf/Folhapress (foto 3)
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