O tempo, generoso que é, encarregou-se de suavizar esse sentimento. Apagá-lo, jamais.
Despertei com o beijo dos meus pais e voltei para o meu quarto arrastando o lençol pelo chão. Eles já estavam de saída para viajar naquela madrugada.
O sono me abraçava novamente, mas ainda tive tempo de ver quando meu irmão, agarrado às pernas da minha mãe, pedia para ir junto. Ela explicava que não podia levá-lo pois, de Natal, eles seguiriam pra Brasília.
- Bom dia Camilinha, vamos levantar? - Era Ranika, funcionária da loja do meu pai.
- Oi…Cadê Maêa? - Perguntei, procurando pela minha babá.
- Ela está fazendo o café de vocês, Camilinha. Vamos ajeitar vocês hoje.- disse ela se referindo a mim e ao meu irmão.
Consenti com a cabeça, levantei da cama com um pulinho e fui tomar meu banho. Notei que Marta, também funcionária da loja, acordava o meu irmão, que dormia numa cama ao lado da minha. Tomamos banho e as duas nos ajudaram a nos arrumar.
- Mas na escola só deixam entrar com a farda…- falei ao notar que elas escolheram outra roupa para vestirmos.
- Hoje vocês não vão para a escola…- respondeu Marta, com uma voz trêmula.
- Por que não? - meu irmão perguntou.
- Seus pais sofreram um acidente de carro na estrada, Camilinho… - ela disse.
Meu irmão e eu agora estávamos aflitos.
- Eles estão bem? - ele perguntou quase atropelando as palavras.
- Seu pai está bem, só com alguns ferimentos do cinto de segurança, graças a Deus…- respondeu ela com os olhos marejados, enquanto eu e meu irmão deixávamos escapar um sorriso de alívio.
- E Mainha? Tá bem também? - ele tornou a perguntar.
- Sua mãe agora está bem, meu filho. Ela foi para o Céu. - Ranika disse.
- Ela morreu? - perguntou meu irmão tomado por aflição.
- Sim… ela está com Papai do Céu.
Naquele momento, meu irmão colocou as mãos no rosto e se pôs a chorar compulsivamente. Eu fiquei olhando aquela cena, tentando acalmá-lo e ao mesmo tempo entender o que estava acontecendo. “Por que ele está chorando tanto?” - me perguntava sem saber a resposta. Eu não entendi com exatidão o que aquilo tudo significava. Naquela terça-feira, 17 de novembro de 1998, vi muita gente com olhos vermelhos e rostos inchados. Quando olhavam para mim e minha família, nos abraçavam e tentavam enxugar as lágrimas.
Algum tempo depois, no mês das férias, eu estava brincando na minha casa - a ‘casa grande’, como eu costumava chamar - quando descobri um ninho de passarinho no pé de seriguela. Contemplei e admirei aqueles dois seres pequeninos e diariamente ia visitá-los. Certo dia, encontrei um deles no chão de terra, com o corpo molinho. Chamei minha babá e fui pedir para que ela acordasse o passarinho. Entendia que ele devia estar dormindo um sono profundo, assim como minha mãe da última vez que a vi. Foi quando Maêa me disse:
- Ele morreu, Camilinha. Não vai acordar.
- Então ele foi para o Céu? - perguntei.
- Isso mesmo. - disse ela.
- Mas será que depois ele volta pra cá? - tornei a perguntar.
- Não, Camilinha. Ele nunca mais vai voltar. Quem vai para o Céu não volta mais. - disse ela enquanto eu acariciava aquele corpo pequenino e sem vida entre minhas mãos miúdas.
Naquele instante, as lembranças de minha mãe invadiram meus pensamentos e eu compreendi, então, que ela não mais voltaria.
Lembro-me que fui para o jardim e escalei alguns galhos do grande cajueiro. Encolhida e em meios a soluços, as lágrimas lavaram o meu rosto. Hoje percebo que ali, aos cinco anos, fui apresentada ao sentimento de luto. O tempo, generoso que é, encarregou-se de suavizar esse sentimento. Apagá-lo, jamais.
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