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RN POLITICA EM DIA 2012 ENTREVISTA:

quarta-feira, 5 de junho de 2024

À ODILON THOMAZ, COM AMOR. POR TEREZA RAQUEL PAIVA DE OLIVEIRA

A Odilon Thomaz, com amor!

À exceção do dia que me tronara mãe de Francisco, as coisas mais importantes que aconteceram na minha vida foram os meus mortos e, com isso me refiro à morte de meus entes queridos. Talvez o leitor tenha a impressão de que isso seja lúgubre, mórbido. Eu não vejo assim. Muito pelo contrário: para mim é uma coisa tão natural, tão lógica e tão certa. Apenas em nascimentos e mortes saímos do tempo. A Terra detém sua rotação e as trivialidades com as quais desperdiçamos as horas caem no chão feito purpurina. Quando uma criança nasce ou uma pessoa morre, o presente se parte no meio e nos permite espiar durante um instante pelas frestas de nossa vil humanidade.

Por muitos anos, a morte de meu pai e a minha frustração em não ser Advogada militante e viver engessada dentro de um Judiciário que não só me aprisiona, mas também tolhe os meus impulsos criativos foram assuntos silenciados em minha casa. Quando a dor recai sobre nós, sem qualquer paliativo, a primeira coisa que nos arrancam é a palavra. A partir do instante que aprendi a recordar, tornei-me escritora. Com o passar dos anos, aprendi a manter borbulhas de luz em minha cabeça. Cenas que são ilhas de emoções incandescentes. Avanço com esforço, como uma mariposa atraída pelo brilho até chegar ao destino final e deparar-me com explosões radiantes de poesia travestidas em um par de olhos verdes que mais parecem dois oceanos nada pacíficos.

O escritório de minha casa é um lugar cheio de significados. As paredes abrigam, para além das fotos de meus pais, um antigo quadro de São João menino cuja moldura enferrujada representa passagem do tempo. O Sagrado Coração e Jesus que pertencera à minha avó paterna ajuda a compor meu memorial de saudades.

Do lado direito de quem entra, há a escrivaninha de meu pai. Sobre ela, descansa a cédula de identidade médica dele. Na capa do documento, o brasão da República federativa Brasileira, em tons dourados, resta sobreposto ao pano de fundo verde escuro. Abro o caderninho e deparo-me com o início da jornada de Gentil Paiva de Oliveira, CREMERN  619, inscrição datada de 02 de abril de 1974. Na parede superior a esta mobília, uma foto de minha formatura em Ciências Jurídicas emparelha-se com o certificado de aprovação emitido pela Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Paraíba há quase duas décadas. Nunca, jamais e em tempo algum, tive a coragem de soltar um contracheque com a rubrica do Poder Judiciário para aventurar-me na contingência da advocacia. O sonho de criança resta adormecido, talvez por covardia, talvez por falta de oportunidade. Não tenho, até o presente momento, a resposta para essa provocação.

Os leitores já devem ter percebido que, não raras vezes, a minha necessidade de redigir preâmbulos antes das histórias a serem narradas. Ouso, primeiramente, falar em mim para que compreendam as convergências entre o ontem e o hoje. O intuito da minha escrita é um tanto pretencioso: conquistar e seduzir os destinatários desta carta escrita, fazendo-os deleitar-se na histórias de um personagem atemporal, ou seja, um indivíduo capaz de se perpetuar no tempo e na história. É fato! Não escrevo sobre qualquer um. Odeio pieguices, dentre elas, está o velho jargão: “ninguém é melhor do que ninguém.” Frase cafona, démodé, desinteressante.

A bondade e maldade possuem o nome e o rosto daqueles que as escolhem livremente. Será que alguém que marca a vida de seu semelhante com as forças morais do altruísmo e da benevolência não é melhor do que certas qualidades de malfeitores que andam por aí fantasiados de homens e mulheres?

Há pessoas melhores sim e ponto final.

Sou Advogada por formação e integro os quadros dos servidores de carreira do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba há mais de duas décadas. Acostumada com prédios imponentes, salas bem equipadas e computadores de última geração, trajando tailleur e scarpins salto quinze, desfilava em pisos de mármore carrara, achando que estava prestando um serviço relevante à população, não obstante a frustração de não advogar ser uma ferida aberta ou até mesmo uma tatuagem dolorida.

Em um dos indigestos balanços do rio da vida, fui apresentada a Síldilon Maia, Advogado, simplesmente Advogado. Constância Uchôa, uma amiga em comum, foi a madrinha deste encontro. Ela, como ninguém, sabia o que eu precisava para enfrentar tantas tempestades. Para além de um dos melhores experts que já conheci, um humanista escondido por detrás de meia dúzia de atrevimentos balanceados por um sarcasmo pra lá de genial e recheado de humor como recurso retórico para dar leveza a um mister tão espinhoso como sacrossanto.   

Não raras vezes reconheci a minha pequenez e mediocridade quando comparada ao trajeto humano/ sacerdócio desse Advogado, dia após dia, noite após noite, exercendo suas funções nos abismos da escassez de valores éticos, nas chagas apodrecidas de gestores irresponsáveis, levianos, cruéis, impiedosos, perversos e sanguinários.

Tocou-me presenciar, há mais de dois anos, a incansável luta desse profissional esquecido, judiado, achatado e algemado por um sistema infectado pelos arbítrios da falta de compromisso de incontáveis gestores/representantes da classe oriundos das terras de Cascudo. De igual forma, testemunhei a grandeza desse cidadão que escolheu não pagar com a mesma moeda. Matéria prima legítima não permite adulterações. Não aceita medir-se pela a régua dos maus. Não se vende, não se rende, não se troca. Não enxerga os inúmeros e desafiadores percalços do cotidiano, segue de pé e, com frontes elevadas, ergue e soergue a bandeira do humanismo como ideal primeiro.

Síldilon Maia Thomaz do Nascimento, além de patrono de quem vos escreve, atualmente integra o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil como representante do Rio Grande do Norte, estreia nesse rosário de rubis rompendo o silêncio de minhas madrugadas insones com choro inaugural de um recém-nascido, milagre da nova existência, promessa de um amanhã repleto de possibilidades. 

O único varão de Odilon e Selma, antes de querer ser Advogado, já era humanista proclamado por berço. As raízes profundas talhadas pela tradição fizeram com que o percurso do defensor fosse transformado em uma verdadeira consagração ao pulsar da justiça. Honrando e dignificado o legado de seus pais, para além de exemplos a serem copiados, poetas da vida no universo da criação.

Após uma conversa longa, o percebi curvado sob a luta de trazer a alegria da vida no ato sublime de posicionar-se perante os pares como um sujeito tão forte quanto à legitimidade dos ideais carregados em seu coração, atando as pontas da história, tecendo  laços entre o presente e o futuro, entre o hoje e o ontem, tal qual um farol a iluminar a vida de quem não se acha merecedor de direitos básicos. A tão comentada dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea de nossa Carta Maior, é rotineiramente esmagada por deuses humanos cujas contas bancárias possuem mais zeros do que a tabuada inteira.

Nesse caos onde valores são invertidos de acordo com as conveniências, por entre linhas e códigos, emerge o guardião da justiça. O Advogado, com olhos afiados e mente aguçada, pensamento à frente do tempo, escrita ágil, discurso firme, posições previamente demarcadas. Não agrada aos poderosos, pelo contrário, debruça o verde de seus olhos sob aqueles que desde sempre aprendeu a acolher em casa. Síldilon caminha nos corredores do Direito como quem percorre uma biblioteca infinita, onde cada livro é uma vida, cada parágrafo, uma história.

Nos tribunais superiores, sua voz ressoa como um eco de esperança. Articula sonhos alheios, transforma dores em argumentos e injustiças em declarações eloquentes. Em suas mãos, a balança da justiça não é apenas um símbolo, mas uma verdade pulsante, pujante, magnânima. 

Os momentos de angústia daqueles que nele confiam o futuro,  tornam-se combustível para a busca incessante por verdades ocultas, escondidas, sonegadas. Desata os nós da hermenêutica, trava debates filosóficos, respeita a unicidade e a singularidade dos indivíduos, não faz acepção de pessoas. Descarta a função social da Advocacia, rende-se ao humanismo de cada dia e, ainda que seja utópico e entenda-se como tal, não abre mão da razão final de sua existência, não se atreve a desacreditar do ser humano. Artesão de destinos, escultor de liberdades individuais e coletivas, mensageiro da boa nova, prospector de esperanças. 

No exercício de seu sacerdócio, nunca esteve só. Carregou e carrega consigo as vozes silenciadas, os clamores abafados, as lágrimas invisíveis. Em cada “injustiçado”, um universo, em cada família, a chance de um recomeço no topo da dignidade. 

Ao final do dia, quando o sol se põe às margens do Planalto Central e as sombras começam a se esticar, o menino de Selma retorna à sua própria história, consciente de que, por hoje, acrescentou uma vírgula de justiça ao grande livro da vida.

Das terras benditas de Lagoa de Pedra, cidadezinha com aproximadamente sete mil habitantes, localizada no coração do interior do Rio Grande do Norte, surge um menino que nunca se achou fora da curva. O aprendizado adiantado, segundo ele, seria tão somente resultado de ter nascido numa família amorosa, funcional e com condições de ofertar-lhe, além de uma infância saudável, minimamente três refeições ao dia.

 Síldilon Maia, nascido entre as serenatas do vento e os murmúrios das águas, carrega nos olhos a profundidade de sua origem e na mente a robustez de seus ideais. Acredita, com a intensidade de um rio corrente, que cada ser humano carrega em si a semente da mudança. E vê na advocacia não apenas um ofício, mas uma poderosa ferramenta, capaz de esculpir uma sociedade mais justa e humana, onde a voz dos esquecidos encontre ressonância e os direitos floresçam como jasmins na primavera.

Na vida de tantos, sua presença é como um clarão de luz em meio à penumbra. Seus argumentos são tecidos com a sabedoria dos anciãos e a paixão dos sonhadores. Sil, a quem chamamos carinhosamente em nossos momentos de ternura, não apenas defende causas; defende vidas, resgata dignidades, acredita na transformação que começa em cada ato, em cada gesto de bondade, de compaixão e de amor. 

Nossa prosa de hoje foi longa, desliguei o telefone com a sensação de ele ter levado consigo o brilho do sol, não por egoísmo, absolutamente, mas com a alma de quem recolhe-se serenamente sabendo que a justiça não é apenas um ideal distante, mas uma construção diária, onde cada pequena vitória é um passo em direção a um mundo melhor. 

Para além de um líder habilidoso,  carrega nos ombros a as particularidades de cada cliente, que, segundo Dr. Síldilon, deve ser tratado com decência, dignidade e respeito. 

Com pulso firme, pragmatismo, condutas retas e bons propósitos, acredita ser a ética o único alicerce capaz se sustentar a esperança em dias melhores onde a justiça esteja ao alcance de todos, sem distinção. 

Confesso aos leitores que a escrita desse texto custou-me lamber minhas feridas mais profundas. A origem da criatividade está no sofrimento próprio e no alheio. A dor verdadeira é inefável, nos deixa surdos, mudos, vai além de qualquer descrição ou consolo, é uma baleia grande demais para ser arpoada. Sil é aquele porto seguro capaz de entender até os meus mais profundos silêncios. 

Agora sei que aqui escrevo para outorgar ao bem e à dor um sentido que, na verdade, tenho certeza de que eles têm. Isabel Allende utilizou a escrita como o único recurso para poder lidar com a morte de Paula, sua estimada filha. E eu a uso para dizer ao guardião dos meus direitos aquilo que jamais tive coragem de verbalizar ao vivo e a cores.

A arte é uma ferida feita de luz. Precisamos dessa luz, não apenas quem escreve, pinta ou compõe músicas, mas também aqueles que leem, veem quadros ou ouvem consertos. Todos precisamos de beleza para que a vida nos seja suportável. Fernando Pessoa expressou isso como ninguém quando disse que a literatura , como toda arte, é a confissão de que a vida não basta. Não, não basta. Por isso estou escrevendo esse texto. Por isso você está o lendo.

A Síldilon Maia, agradeço por me permitir preencher minhas lacunas remendando histórias e escorando-me nos restos de belíssimos templos cujos pedaços vocês descobrirão no decorrer do tempo.

 A esse personagem tão real em minha vida, homem de carne e osso, alma e coração que, por ossos do ofício, é impedido de viver alguns anonimatos, mas ainda assim, sustenta as bases legitimas e edificadoras da verdadeira Advocacia, inclino-me em sinal de reverência. O filho de Odilon proporcionou a esta escritora um magnífico e extasiante encontro com o passado. Em cada linha, um tanto de mim e o muito de Dr. Gentil Paiva de Oliveira, a quem pude abraçar infinitas vezes no decorrer dessas linhas através daquele que, como meu pai, fez e faz do juramento proferido por ocasião da escolha profissional, a causa final de sua existência

Saboreiem a leitura, Doutores. Ao final, bebam água gelada em um copo de alumínio após degustarem um pedaço de rapadura. Simplesmente sintam o quão delicioso foi dividir com os a advocacia potiguar lembranças e reflexões que compõem tanto o meu testamento espiritual quanto o lugar que o colega dos senhores ocupa nos recônditos mais profundos e fecundos do coração desta escritora.

Gratidão, Odilon! Plantaste em solo fértil. Eis tua colheita!

Hasta la vista! “Deixem-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, sorrir para não chorar (...)” 

Natal, 05 de Junho de 2024

Teresa Raquel Paiva de Oliveira

Um comentário:

  1. Tão claro e suave de ler esse texto/poesia/relatos como queiram descrever, parece até que surfamos lendo. Parabéns!!!!

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COMENTÁRIO SUJEITO A APROVAÇÃO DO MEDIADOR.