A pressão para garantir um ritmo mais acelerado de vacinação contra a Covid-19 no país vem crescendo. Enquanto o volume de imunizantes é escasso, alguns empresários articulam um movimento para alterar a lei que obriga a doação de imunizantes adquiridos pela iniciativa privada ao SUS. Se essa exigência for eliminada, os executivos alegam que terão condições de comprar 10 milhões de doses. A articulação acontece em meio a uma investigação sobre uma suposta importação sigilosa da vacina da Pfizer por empresas de Minas Gerais. Mas afinal, é possível ter vacinas privadas rapidamente no Brasil?
Especialistas dizem que não. E afirmam que a venda de vacinas no país só deve acontecer a partir da metade do segundo semestre, depois que o processo de imunização no mundo estiver mais regularizado.
Diante da forte demanda global por vacinas e os acordos firmados pelos grandes laboratórios de só vender imunizantes para governos, o consenso entre médicos, gestores e advogados é de que hoje é praticamente impossível para a iniciativa privada comprar legalmente vacinas pelo mundo. Eles afirmam ainda que esta busca de empresas por vacinas pode ampliar a disposição para golpes, desvios e falsificações. O próprio Ministério da Saúde informou que foi procurado por supostos representantes de laboratórios que ofertaram 400 milhões de doses.
Premissa da má-fé
No início de fevereiro, a China prendeu 80 pessoas acusadas de oferecer vacinas falsificadas. Por conta disso, advogados especialistas em saúde afirmam que essas ofertas de imunizantes a privados devem ser analisadas com extremo cuidado.
— Temos que lembrar que a Medida Provisória que permite a compra de vacinas por privados permite o pagamento antecipado, antes do recebimento das doses. Isso amplia a possibilidade de golpes — afirma Silvio Guidi, advogado sanitarista do escritório Vernalha Pereira, que tem orientado seus clientes a tomar muito cuidado ao tentar comprar vacinas. Para o advogado, há tantos golpes e falsários que é preciso trabalhar com a premissa de que há “má-fé” dos vendedores.
Dirceu Barbano, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acredita o debate sobre a compra de vacinas por parte da iniciativa privada está forte no Brasil devido ao fato do governo federal não ter se comprometido com a compra de vacinas desde o início da pandemia.
— Há uma questão paradoxal aqui. No dia em que tivermos mais possibilidade para que o setor privado adquira doses, porque haverá mais oferta, vai ser o mesmo tempo em que a demanda começará a diminuir — disse Barbano.
Dano de imagem
A epidemiologista Carla Domingues, que foi por dez anos Coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, lembra que os grandes produtores mundiais estão com problemas para garantir as entregas aos países que compraram primeiro os imunizantes dentro dos prazos. Por isso, não faz sentido para esses laboratórios discutir a oferta de doses ao setor privado.
— Não vejo justificativa para a venda de vacinas dos laboratórios para empresas. Elas pagariam mais que os governos? Isso seria um dano de imagem monumental para os laboratórios — disse ela.
Além disso, as doses que eventualmente sejam compradas por empresas precisam estar aprovadas pela Anvisa. A Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (Abcvac), por exemplo, tem um acordo para importar 5 milhões da Covaxin, do laboratório indiano Bharat Biotech, mas até agora o imunizante não foi aprovado pelas autoridades brasileiras.
Além disso, o governo indiano está pressionando suas empresas para não exportar vacinas, devido à impopularidade da medida diante de uma população que ainda foi pouco imunizada.
Compra privada precisa de coordenação
Claudio Lottenberg, presidente do Instituto Coalizão Saúde (Icos) e do Conselho de Administração do Hospital Albert Einstein, é um defensor da compra de vacinas pela iniciativa privada. Ele acredita que é melhor correr algum risco de injustiça do que correr a maior injustiça de todas, que é não vacinar ninguém.
Porém ele avalia que isso só acontecerá com uma coordenação entre governos e empresas, com uma atuação diplomática, para negociar o redirecionamento de algumas doses de países que já estão avançados na vacinação.
— Os laboratórios não iam correr o risco de fazer vendas a empresas sem que isso estivesse num acordo superior, com o envolvimento dos governos — afirmou. — Eu acredito que isso (uma negociação diplomática entre países por doses) é possível sem criar um constrangimento com determinados clientes preferenciais (dos laboratórios). Não é justo que determinado país, que agiu de maneira ordenada e garantiu estas compras fazendo pagamentos antecipados, de repente, veja uma subtração de seus estoques ou doses (destinadas) para estes países.
Fonte: O GLOBO/Blog do BG
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