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RN POLITICA EM DIA 2012 ENTREVISTA:

domingo, 29 de junho de 2014

HAVERÁ VIDA DEPOIS DA COPA?

A minha gente sofrida despediu-se da dor, pra ver a banda passar cantando coisas de amor.
Mas para meu desencanto, o que era doce acabou. Tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou.
E cada qual no seu canto. Em cada canto uma dor. Depois da banda passar, cantando coisas de amor. (A Banda, Chico Buarque)

Ainda não sabemos como a História do Rio Grande do Norte contará os dias transcorridos entre 13 e 24 de junho de 2014, nem tampouco o que restará depois que os acordes da banda que passou não mais soarem em nossos ouvidos. Mas, basta um pouco de sensatez para ver que algumas coisas estão tão fora de lugar quanto uma mordida em uma partida de futebol profissional.
Para alguns, entre eles o governo do RN, a Copa do Mundo tocou uma música tão doce que parecia não haver amanhã, tal a sofreguidão e o esforço para vê-la passar, com sacrifícios onde não mais havia o que sacrificar.
E como administrar o dia depois de amanhã? E as contas, os custos, a fatura de um delírio de carnaval? Vê-se depois!
Mas o depois é agora e acordamos da Copa do Mundo em terras potiguares, além de tudo, com uma decisão inusitada que se quer insistir que vale a pena tomar, representada pela alquimia de transformar um Hospital de Trauma em festa para inglês ver, como se dar assistência aos doentes e recepcionar os VIP’s do mundo fossem pesos iguais a serem colocados em uma balança de troca.
No momento em que este texto é escrito, ainda não há confirmação de que a governadora tenha aposto seu aval nesta desastrosa escolha, mas a decisão é iminente, pois se avizinha o prazo fatal para a sanção (ou veto, esperança até o apito final) da lei por ela proposta para mudar a destinação de R$ 50 milhões, os quais foram emprestados ao Estado com a finalidade específica de construir um Hospital de Trauma, haja vista a inegável carência gritada diariamente pelos corredores do Hospital Walfredo Gurgel.
Não por coincidência, porque falta de planejamento afasta invocações de azar, mal apagadas as luzes do palco no dia 24, o sobrecarregado Walfredo Gurgel clamou mais uma vez por socorro, agonizando por duas horas, até que se conseguisse reestabelecer a energia vital que lhe permite manter ligados aparelhos indispensáveis à vida de enfermos.
Infelizmente, a música que de lá sai é amarga para certos ouvidos seletivos, em contraste com a entoada pela banda da Copa do Mundo. Não é tão sedutor deixar como legado um Hospital de Trauma (?!). O canto da sereia ilude alguns a achar que o interesse público se contentaria com instalações temporárias para que um evento esportivo e comercial ocorra. Ainda que nada concreto, palpável, reste depois que a banda passar, nem se saiba o quanto de interesse privado há nestas instalações que serão desmontadas após serem usadas pela FIFA.
Embora o bom senso seja suficiente para perceber que esta não é uma escolha válida, jurídica e politicamente, lembremos que a destinação de um empréstimo vinculado não pode ser alterada por ato unilateral do tomador, pois calcado em um projeto que lhe fundamenta e embasa a aprovação pela instituição financeira - como bem sabe qualquer mutuário da Caixa Econômica Federal. Isto sem contar os entraves de direito financeiro para empréstimos do Poder Público que são direcionados a despesas de custeio, a começar pelo art. 167, inciso III, da Constituição Federal.
De maneira bem simples, o absurdo que está em vias de ocorrer é equivalente ao indivíduo com dificuldades financeiras, mas que conseguiu obter um empréstimo para construir sua casa própria, e no meio do caminho decidiu torrar este dinheiro “extra” em uma grande festa.
Esperemos que a racionalidade deste gasto público não chegue tarde demais, juntamente com a ressaca do pós-copa, pois se este megaevento não é feito com hospitais – na infeliz frase de um ex-futebolista, hoje supostamente arrependido -, a vida também não pode ficar em suspensão apenas para concentrar todas as nossas energias na sua fugaz passagem.

Fonte: Luciano Ramos - Procurador-Geral do Ministério Público de Contas do RN/http://tribunadonorte.com.br/

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