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segunda-feira, 17 de junho de 2013

O DESPERTAR DO GIGANTE, POR BRUNO MEDINA...

Na última quinta-feira, dia 13, eu estava em São Paulo a trabalho, mais precisamente dentro de um táxi que se arriscava na inglória missão de tentar cruzar a Marginal Pinheiros de ponta a ponta durante o horário de rush. As duas horas que o trajeto me tomou foram tempo suficiente para conhecer toda a história de vida do motorista e, para minha surpresa, descobrir que o simpático condutor do veículo era na verdade um ex-boxeador, campeão paulista na categoria peso-pesado. Em nossa nau – irremediavelmente à deriva naquele mar de veículos que davam a impressão de estar enraizados no asfalto – relatos de combates épicos se equilibravam com outros, não tão glamorosos, da dureza que é ser profissional de um esporte que está à margem da grande mídia no Brasil. Nos períodos em que a conversa cessava, a TV no painel do carro nos mantinha atualizados sobre o agravamento do protesto que ocorria a poucos quilômetros dali e não deixava restar dúvidas de que rumávamos para o olho do furacão.
Quando chegamos à Paulista, ao invés da habitual paisagem composta por bares, lojas e calçadas abarrotadas de gente, encontramos uma serenidade aterradora, ornada por barricadas de metal, lixo espalhado pelo chão e policiais montados a cavalo, que mais pareciam desfilar sobre a valorosa conquista de um território inimigo, no caso, um dos mais emblemáticos cartões-postais da cidade. Aos carros que cruzavam a avenida, independente do destino pretendido, o único caminho permitido era seguir adiante, e foi aí que desaguamos sem aviso no leito de uma espécie de estado de exceção, a razão pela qual, naquela quinta-feira, São Paulo foi dormir de pernas para o ar, para nunca mais acordar a mesma. Com um pouco de atenção era possível ouvir, de longe, o coro de vozes clamando por não-violência, e não demorou muito para que a pequena multidão, uma partição do grupo de manifestantes original, alcançasse o local em que estávamos.
Eram estudantes, de perfis diversos, que marchavam tranquilamente por entre os carros, entoando palavras de ordem e exibindo cartazes que resumiam suas reivindicações. A insólita condição de encontrar-se dentro de um protesto sem de fato estar nele remetia à sensação de assistir a um filme 3D, apenas com a diferença de que o enredo em questão nada tinha de ficcional. “Sobe o vidro!”, alertavam um a um os manifestantes que passavam por nós, pouco antes do gás lacrimogênio envolver tudo com seu manto branco. O espocar de tiros se aproximava, sem que eu ou o motorista tivéssemos a menor ideia de como proceder. O instinto determinou que seguíssemos para fora daquela nuvem, e foi então que avistamos, poucos metros a frente, o Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo. Numa situação como esta, qualquer pessoa sensata optaria por sair do “front de batalha”, e essa foi, claro, a estratégia adotada pelo motorista, muito embora o que ocorreu ali estivesse muito distante do que poderia ser descrito como uma batalha de fato.
Independente do que tenha se dado naquela noite em outros pontos da cidade, a cena que testemunhei foi a de um grupo de policiais atirando bombas de efeito moral e balas de borracha em cidadãos que caminhavam tranquilamente no sentido contrário. Não havia qualquer indício físico ou verbal de resistência, nem mesmo a insinuação de um clima mínimo de insurgência que levasse o mais paranoico dos integrantes daquela tropa a reagir contra a massa por sentir que a ordem pública ou a própria segurança estivessem ameaçadas. A despeito do aumento das tarifas dos ônibus, da imobilidade urbana nas grandes cidades, do descontrole da inflação, da opulência do orçamento empregado pelo Governo Federal na estrutura dos grandes eventos esportivos, da costumeira afronta imposta pela classe política, de tudo isto junto e do que nem chegou a ser listado aqui, o que tem realmente transformado os recentes episódios de conflito numa discussão em que somente um dos lados parece ter razão é a inabilidade do Estado em lidar com os protestos. Somente isto explicaria como uma manifestação pontual, de alcance localizado e sobre a qual recaíam inclusive dúvidas quanto à legitimidade ou o comprometimento dos envolvidos pode transformar-se numa revolta generalizada que se alastra por todas as regiões do país.
Neste momento em que há mais indagações do que respostas, sobretudo quanto à dimensão histórica a ser assumida pelos protestos ou mesmo um argumento que seja capaz de representar ao menos a maioria dos manifestantes, a única certeza que desponta no horizonte é a de que a causa com mais potencial para atrair simpatizantes é justo essa que me motivou a relatar a cena que presenciei: a incontestável truculência que se impôs ao direito de protestar. Hoje, milhares de pessoas estarão de novo nas ruas de várias cidades, um contingente seguramente bem mais expressivo do que o que foi visto na última quinta-feira e durante o fim de semana. Sem dúvida, uma excelente oportunidade para as autoridades demonstrarem que aprenderam em tempo recorde o que não foi possível aprender nos últimos 49 anos. Pois é, você não acreditava, mas o gigante finalmente despertou…

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COMENTÁRIO SUJEITO A APROVAÇÃO DO MEDIADOR.