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terça-feira, 14 de maio de 2013

NA DITADURA, PRESA POLÍTICA CRIAVA "AMBIENTE LÚCIDO" NO CÁRCERE PARA POUPAR OS FILHOS.

A luta pelos ideais causou a violação do corpo e da alma dos militantes políticos contrários ao golpe militar de 1964. Não bastasse o estresse emocional e de resistência, os perseguidos tinham de lidar com a situação no âmbito familiar, já que muitos filhos, parentes e cônjuges foram detidos para desestabilizar emocionalmente os militantes.
Militante da Ação Popular, organização comunista, a psicanalista Maria Auxiliadora ‘Dodora’ Arantes vivenciou essa experiência. Em 13 de dezembro de 1968, dia em que passou a vigorar o AI-5 (Ato Institucional 5), ela foi sequestrada pelos militares junto de seus dois filhos pequenos. Na casa onde morava, numa cidade do interior de Alagoas, também estavam uma companheira de militância e sua filha, de sete anos.
“Meus filhos, a Priscila e o André, tinham dois e três anos de idade. Nós ficamos presos quatro meses e meio. Ficamos numa situação de constrangimento absoluta. Ficamos submetidos à situação de maus tratos e houve um evento em que éramos mudados de local de prisão a cada momento, primeiro numa de delegacia de bairro, passando por outros locais até chegar a uma escola, por exemplo”.
Dodora relata que, durante o cárcere, ela teve uma doença infectocontagiosa e seus filhos tiveram furúnculos. Assim como o personagem Guido Orefice vivido por Roberto Benigni, de “A vida é bela” - que cria um ambiente lúdico dentro de um campo de concentração para poupar o filho da realidade nazista – a psicanalista fez o que pôde para proteger as crianças do ambiente de tortura.
“Eu fazia ginástica, joguinho, aulinhas de alfabetização para a filha da Rosa, que era maior... Como os carcereiros permitiam, eles ficavam o dia todo brincando. Fiz coisas que qualquer mãe faria para proteger os filhos de uma situação adversa”.
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Segundo ela, seus filhos, que estão na faixa dos 40 anos, pouco se lembram daquela ocasião, “só quando contam para eles”.
“Os presos eram ameaçados pelos ditadores, que diziam que seus filhos seriam prejudicados. Eu tive um gesto materno, quando a mãe tem de proteger uma criança, gesto totalmente oposto dos ditadores, que estavam sequestrando crianças. O que uma criança poderia oferecer de ameaça para alguém?”
Medo como herança
Um dos casos emblemáticos que veio a conhecimento público recentemente foi o de Carlos Alexandre Azevedo, filho do jornalista e preso político Dermi Azevedo. Torturado com apenas 1 ano e oito meses de idade, Carlos cometeu suicídio em fevereiro deste ano, aos 37 anos. Ele tinha um longo histórico de problemas de sociabilidade e fobias.
Ao analisar a experiência de Carlos, o psicanalista Moises Rodrigues da Silva Junior, do Instituto Projetos Terapêuticos, afirma que uma violência como a sofrida pelas vítimas da ditadura pode ter consequências ao longo da vida - mesmo que a violação tenha ocorrido nos primeiros anos de vida.
“A tortura teve um papel muito grande nessa questão do medo. E isso fica na memória do corpo, vem à tona em algum momento. Alguém com dentes quebrados com um ano e meio, carregando, já maior, um problema no maxilar, carrega esse sofrimento. Ele foi uma criança traumatizada muito cedo”.
O trauma da violência sofrida, além de atingir as vítimas diretas, pode ser passado por herança. Em um dos casos do qual teve acesso, Silva relembrou o de uma mulher cujo pai foi assassinado pelos torturadores. À época, ela era criança, mas o pavor que tinha em relação à morte de seu pai foi passado para as suas filhas, que hoje são adolescentes.
“Ela tem um medo que pensou que fosse normal, que é um medo de estar no mundo. As filhas dela, adolescentes, também dizem possuir um medo que não conseguem determinar de onde vem. É uma dificuldade grande de incerteza de situações frente à morte.”
Segundo ele, a partir do testemunho da mãe durante tratamento terapêutico, a ligação do sofrimento atual com o temor do passado passou a fazer sentido para ela – e para as filhas também.

Fonte: Mônica Ribeiro e Ribeiro

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